Nas margens imperfeitas deste mundo

As escadarias compridas, cheiro de sabão, figuras simples de uma insólida linguagem. Pura métrica esquádrica de um destino incomum. Eram sons distintos, eram som estranhos e grunhidos. O noticiário com suas notícias, as poesias declamantes diárias que, se havia um sentido naquilo tudo, não seria aquele. Se havia uma música orquestral que trouxesse lembranças fantasiosas possivelmente não seria naquela dia. Os duros portões enferrujados teimavam em gemer ao abrir, os sujos portões da percepção. Logo mais: um crime, um homicídio, uma briga sonolenta de palavras breves e sem sentido. Agora com ruídos mais simplistas crianças jogam bola na rua, crianças chutam, crianças gritam, crianças fazem birra! Mas ainda não vejo sentido em tudo isso, como se o mundo fosse algo inesperado e cada instante fosse um último instante de alegria. Eu ri mas não sei se os risos duraram.

Quando lembro da distância da minha infancia parece que tais memórias não são realmente minhas, como se eu não me importasse com isso. Cada palavra dita não fora dita para mim e por isso injustiças foram cometidas. As injustiças cavalgam rapidamente e sem uma noção prévia dos que são todas as coisas. Corrompo-me com as coisas mundanas cada vez mais, e morro rapidamente com tais causas e efeitos.

O mundo parece que se esconde, o mundo é tão confuso (ou seria eu o confuso do mundo?) vivem em uma prisão intelectuosa ou até mesmo religiosa, parece que o destino nos atrai para um buraco infalível, como se a morte caminhasse em passos largos sem mesmo dizer o porquê. Não tenho medo, sou como um urso desdentado e cego, ou seja, sem armas. As crianças param de brincar, o barulho da rua cessa.

O mundo faz uma prévia de como ele será todas as manhas, há dias em que ele gira tão rápidamente que nos torna frágil e incapaz de sentir-mos como ele é. Os tênues gritos de guerra que todos fazem do lado de fora de suas casas pedindo o pão de cada dia e o caminho de ida e volta para casa como uma via crúcis os transformam em martires. O dia corre em frente e verso, estamos sob o domínio de suas rédeas e se o destino quiser nos destruir ele nos destruirá. Cairá a tempestade do fim do dia e estarei em seu meio, também no caminho de volta, como o filho pródigo que tornara a residência porém, para a sua solidão.

Com o coração vazio o portão range, a chave gira, a geladeira ilumina, a água desce, e o sono vem. Com o coração vazio deita-se na cama e espera a morte chegar mais uma vez, e mais mais uma vez, e mais uma vez. E os livros se espalham pelo chão, sem sentido. Acordarei com o cheiro de sabão e com o barulho das crianças brincando, o portão enferrujado me saudará igualmente a minha vizinha e o mundo sorrira seu sorriso de mundo. Andarei por suas calçadas perdido e farei meu trabalho como o faço todos os dias. Ouvirei os passos e ouvirei as vozes do incompreensivo pensamento oblícuo de minha alma, ouvirei os traços metafísicos do não eu e cairei nas margens imperfeitas deste mundo.