Feridas que falam ou calam...

Chegou ao ambulatório triste, meio tímida até. Se deixou ficar no canto da sala de espera, aguardando a vez ou quem sabe pensando se valeria á pena a consulta.

Após quase uma hora foi então chamada a entrar no consultório e

foi chegando lentamente, se sentou e permaneceu calada até que a enfermeira perguntou o que havia levado a buscar ajuda.

Suspendeu a manga do casaco e mostrou algo que a estava incomodando de forma intensa,uma ferida que a acompanhava já havia um longo tempo e não sabia mais o que fazer para que cicatrizasse.

A enfermeira olhou, analisou e começou então a tratar a ferida que Tereza levava consigo e que tanto a incomodava.

As semanas iam seguindo e os encontros entre as duas as aproximava cada vez mais, uma tratando pacientemente da ferida que a outra lhe confiara.

No decorrer do tratamento, Tereza contava o quanto se sentia sozinha desde que os filhos sairam de casa para estudar, casar,viver as próprias vidas, enfim. Contou que o marido já não mais ligava para ela, mulher madura, meio desleixada segundo ela se definia, por causa da idade e pela falta de vontade de se arrumar.

Foram meses de tratamento, curativos e a ferida começou a diminuir a ponto de Tereza aceitar retirar o enorme curativo que fazia questão de usar,por vergonha e segurança.

Chegou então a hora da alta, era inevitável uma vez que a ferida estava curada.

Na última consulta a enfermeira releu no prontuário inicial de Tereza:" mulher, 55 anos casada, mãe de 4 filhos adultos.Relata uma ferida em região de cotovelo esquerdo,que dói,sangra e a incomoda por anos, sem cura apesar de vários curativos ". Acrescentou a última página novo relatório " havia uma ferida que eu jamais puder ver no cotovelo de Tereza, os curativos eram realizados duas vezes por semana, com soro fisiológico, esparadrapo, atenção e carinho."Com o passar do tempo Tereza foi se abrindo aos poucos e percebi que hoje, curada ela apresentou sintomas de uma ferida na alma que se simbolizava para ela como uma úlcera no cotovelo. Era uma ferida invisível para mim e para os demais, mas que mostrava a dor de cotovelo que assolava e acompanhava a mulher que mãe, viu os filhos sairem do ninho, esposa sentiu o afastamento do marido".

De alta, totalmente curada,Tereza deixou em definitivo o curativo e após mudar a cor e o corte dos cabelos,se matriculou em um curso de música onde aprende a tocar teclados em boleros, nas reuniões do grupo da academia que começou a frequentar para ganhar nova forma e se sentir viva e feliz novamente.

Finalmente a ferida que havia tanto falava... quase gritando sua

dor, se calou. A alma estava em paz e refletia no corpo a mais plena

saúde.

Obs: Caso verídico com nome trocado, mas que retrata o quanto

as dores da alma podem interferir e se refletir no corpo, mesmo quando os outros não entendem ou não sabem ver as feridas que falam para uns e apenas se calam para outros.

Márcia Barcelos.

26/08/2011.

Márcia Barcelos
Enviado por Márcia Barcelos em 26/08/2011
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