No Rio Grande

Passei uns dias – poucos dias- no Rio Grande do Sul. Coisa magnífica e estranha, ao mesmo tempo. Um misto de emoções indescritíveis pela dimensão da suavidade, cultura e boa educação daquela gente. Vivo há um quarto de século do estado vizinho e ainda não havia me deslocado para os pampas, doces pampas.

Haviam ficado na minha imaginação os retratos desenhados pela literatura do doce Érico Veríssimo, que já sorvia desde o início da juventude. E a pureza dessas emoções era tanta que eu me julgava pequena demais para conhecer um espetáculo tão deslumbrante, de profundidade histórica, de raízes tão profundas e perfumadas.

Destino: São Leopoldo, a primeira colônia alemã do Brasil! Não se tratou de uma viagem turística, mas de busca de conhecimento filosófico. Ali aproveitei para caminhar pelas ruas arborizadas e com cheiro de ternura espalhado por todos os ares. Andei de ônibus a partir do CECREI - Centro de Espiritualidade Cristo Rei. Local maravilhoso, belíssimo, acolhedor e de uma largueza nunca vista, cercado por jardins cuidados com mãos esperançosas e quentes. O pomar, com jeito de muito feliz e calmo, esbanjava laranjas doces, bergamotas, limão siciliano e poesia, muita poesia.

Mas teve um tempo em que essa poesia traduziu o bolor asqueroso asfixiante da existência. Foi ali que, durante a a ditadura militar, o maior carrasco daquele modorrento tempo, Sérgio Fleury, foi buscar o frei Betto para o cárcere. Mas é impossível imaginar a cena! Aquele frei, que dotado do mais profundo espírito cristão, comprometido om as grandes causas sociais, foi pego por um algoz, gigante na selvageria e na arrogância, para ser levado para a prisão em São Paulo. A visita me povocou uma amarga inquietação ao resgatar o passado nem tão distante, gerando uma angústia sem fim pela condição humana, por ter vivido num tempo de torturar e matar às custas de algum dinheiro e algum podre poder. E essa época nunca acaba. Em suma, Fleury morreu como queima de arquivo em 1979 e o Frei Betto está aí, firme e forte, trabalhando pela humanidade, no melhor espírito deixado pelo Cristo.

Passei apenas algumas horas no CECREI. Pensei, rezei, contemplei, olhei e respirei muito aquela proposta de amor maior em contraste com o medo e agonia do passado. Tomei o ônibus, fui ao centro da cidade, senti uma música ao longe, a saga dos primeiros alemães no Rio Grande, com as suas histórias, sonhos, medos, desafios, abraços e construções que durariam para sempre.

O rio dos Sinos inspira vida e movimento. Arte e companheirismo. Vitória da esperança sobre a incerteza. Inspira história - essa velha e sábia senhora.

Acabei me deslocando para a região rural de Nova Santa Rita. Dali eu continuava a ver o rio dos Sinos, que me separava do local onde descansa uma senhorinha de rara sabedoria que conheci: dona Ercina.

Dali de Santa Rita eu esticava o olhar, por entre algumas mangueiras estrategicamente plantadas, atravessando o rio em direção a Esteio. Eu, com muitas saudades, perguntava slenciosamente: "dona Ercina, onde a senhora está?"

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 26/08/2011
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