A vila enevoada

Vila de Paranapiacaba, Santo André, SP. A mais importante vila ferroviária brasileira, construída por ingleses em meados do século 19, está encravada na serra do Mar, circundada por exuberante mata atlântica. A estrada de ferro há anos já não é mais usada para levar a antiga riqueza paulista, o nosso ouro negro, para o porto de Santos; toda a tecnologia inglesa que fez os trens vencerem as escarpas da Serra do Mar, mudando os rumos da economia de São Paulo e do Brasil, jaz enferrujando sob a densa neblina da serra. A vila semimorta, seus heróis anônimos e sua história de pioneirismo estão embaçados, apodrecendo na umidade onipresente, servindo de terreno fértil para os fungos e líquens.

A neblina, aliás, é a grande presença da vila. Nada se vê a mais de vinte metros. Impossível distinguir rostos, placas de rua, indicações de pousadas. É como se ela, tomando posse de seu território, não permitisse identificações além dela própria, como uma grande e densa nuvem que entra, fria e úmida, em nossos olhos, bocas, roupas, mente, alma - envolvendo a tudo e a todos num grande e profundo anonimato.

A neblina se coordena com a vila, como se com ela se mancomunasse. Não permite que se veja o futuro: o horizonte branco só define um rosto quando ele se aproxima de nós o suficiente para que não seja considerado um amanhã, mas um agora. Da mesma forma, o passado glorioso fica atrás da muralha fantasmagórica que a tudo engole; e quando olhamos para trás nada vemos além de um denso véu, quase uma mortalha.

Não deixa de ser mágico, ainda que ligeiramente deprimente. E ensina à sua maneira que o que se vive é apenas o presente: nada além de vinte metros, nada após vinte minutos. Nem à frente, nem atrás - apenas aqui e agora.

Porém a manhã seguinte traz um dia de sol luminoso, que enche a vila de vida e calor. Lembramos da história de dona Zélia, que chegou num dia de outono e levou cinco meses para poder finalmente conhecer a cidade, que até então se escondera sob a neblina protetora. Tivemos mais sorte que ela.

E o museu a céu aberto das antigas locomotivas, o confuso emaranhado de linhas férreas, as casas de madeira vindas da Inglaterra, tudo isso que enfim pode ser visto nos transporta ao passado que de fato existiu. Agora, com o sol forte e brilhante de uma manhã especial de fim de inverno, tem-se a esperança que os governantes se apressem no lento processo de preservação que ela vive hoje, para que, num futuro próximo, a vila possa retomar seu brilho. Não mais como peça fundamental no transporte do café para exportação, mas como um aprazível e charmoso local de turismo. A Vila de Paranapiacaba, muito próxima da metrópole e a ela ligada por transporte coletivo de fácil acesso, já é um lugar onde se pode passar um fim de semana muito especial. História, tecnologia e natureza preservada ao alcance de todos que possuem curiosidade, espírito de aventura, amor pela natureza e consciência de que só vivemos mesmo o presente, mas podemos nos espelhar no passado para projetar nosso melhor futuro.

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Nossa homenagem aos moradores, protetores e apaixonados pela vila, como dona Zélia, da Pousada Os Memorialistas, e Evanir, da Pousada Tangará.