Frango sujo
Fazia tempo não via um frango recém abatido. Foi na casa da minha irmã. Ela pediu que eu temperasse a ave com sálvia e gengibre e a deixasse livre da pele. Não precisava rechear. Ela serviria a farofa em outra travessa.
Fiz o que me foi pedido. Tão logo terminei, meti o bicho no forno. Sua cor estava linda. Foi posto numa bandeja adornada. Os paulistas amaram esse frango rosa sem nome. Pediram a receita que minha irmã acabou por nunca anotar. Eram dois casais de cerimoniosos com duas crianças e que não conheciam o Rio de Janeiro. Tudo era novidade para eles. Pelo que percebi, estavam com vergonha de comer as asas e de destroçar a carcaça. Minha irmã, ladina, ficou quieta. Deixou que se servissem muito bem do peito e das coxas. Torceu para que sobrasse a pontinha onde se encaixam as penas do rabo da galinha. Obteve sucesso e eu livramento.
A bandeja foi retirada para a cozinha. A família continuou na sala conversando alegremente. De repente, fui chamado da cozinha. Pensei que fosse para ajudar a servir a sobremesa. Que nada! Cheguei à porta e vi minha irmã vermelha de tanto rir. Não entendi nada. Ela só me mostrou o frango destroçado e, no seu interior, algo impensado. Eu havia assado a ave com toda a sujeira em suas entranhas. Estava intacta por dentro. Com tudo que se possa imaginar.
Naquele dia aprendi a lição. No mundo, antes de haver congelamento, havia o calor dos corpos animais a serem limpos em casa. Deveria ter voltado ao passado, mas não o fiz. A família seguiu feliz para Taubaté com o sabor inigualável em sua memória e nós continuamos em São Gonçalo com nosso segredinho culinário, aliviados e livres de uma possível chacota.