Verônica, o Céu e o Inferno

Verônica surgiu do nada. Tinha 17 anos e usava saias curtas com camisetas largas. Escondia o excesso de peso concentrado no estômago, ao tempo que valorizava os protuberantes e empinados seios. Era sobrinha de alguém que não conhecíamos e apareceu num começo de outono. Apareceu como uma flor que resistira ao verão e teimava em enfrentar o inverno.

No repertório, uma infinidade de gírias e argumentos que, para a época, eram premissa dos extravagantes. Dizia-se da capital e impressionava pela desenvoltura que falava de questões proibidas. Inibíamo-nos com seu conhecimento sobre a trilogia sexo, drogas e rock and roll. Discorria – displicente e longínqua – sobre aventuras em lugares mágicos, viagens extraordinárias que, amplificadas por nossa imaginação, tomavam proporções imensas.

Lembro de perder o sono com isso. Como seria eu na pele de um daqueles anti-heróis urbanos? O que faria diante de situações com traficantes sequiosos ou policiais sedentos ou famílias desesperadas? Como enfrentaria o olhar severo das imagens santas da capela do Sagrado Coração de Maria? Meu coração se dividia entre o gosto pelo desconhecido e a cultura tradicional que convivia.

Transitava com os personagens de Verne, Dumas, Twain e Victor Hugo, enfim, era comum sonhar-me combatendo bugres ao lado de Juca Pirama. Era Verônica, o céu e o inferno e, pela primeira vez, sentia-me tentado. Tanto que me apaixonei por ela. Inevitável.

Verônica não tinha horário, nem hábitos, nem primas, nem amigas. Surgia sem anúncios. Era como a tempestade; arrebatadora e magnífica. Mostrava-se a cada dia diferente; ora provocante, por vezes distante. Nunca descartei a idéia de declarar-me, acho que todos os meus amigos pensaram nisso, faltava-nos coragem. Até poema escrevi pra ela, nunca mostrei, faziam parte de um mundo que só a nos dois pertencia. Sentia-me livre a seu lado, pouco falava. Bastava estar ali e beber e beber e beber o êxtase daquele encanto.

Um dia, sem adeus, ela foi-se embora. Nunca esqueci, tampouco esperei sua volta.

Marco Araujo
Enviado por Marco Araujo em 15/12/2006
Reeditado em 15/12/2006
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