FELICIDADE

Uma empresária a quem prezo perguntou se poderia me dar algumas dicas para atingir público maior de leitores. Ouvi atentamente suas sugestões – ouço atentamente as sugestões dos que me lêem – e ao fim delas disse-lhe que estilo, idéias e finalidades atendiam ao público literário. A Literatura é acessível a todos, mas nem todos são acessíveis à Literatura.

Contei-lhe que, no início, em jornais de abrangência popular ou especializados, ouvi comentários de um jornalista e de uma pediatra que liam meus textos, mas ressaltavam o uso de “palavras difíceis”. Essa constatação, proveniente de dois profissionais conceituados que não se conheciam, causou-me grande preocupação, pois usar palavras “difíceis” ou escrever “difícil” implicava na minha incapacidade de se tornar legível. Escrevia “difícil” ou porque não sabia redigir ou porque a aplicação de termos teóricos, técnicos ou especializados causava ruído na comunicação.

Graças aos comentários desses leitores e à minha conseqüente preocupação, surgiu motivo consistente que me obrigou a procurar opinião especializada. Com grande temor, descobri o telefone do Crítico Literário Wilson Martins. A voz do outro lado da linha, vinda da magnífica Curitiba, autorizou-me a enviar dez exemplares dos últimos trabalhos. Um mês e meio depois respaldou-me que, pelo menos lingüística e literariamente, encaixavam-se nos padrões. O tempo, a prática e o estudo, me assegurou mestre Wilson, me ajudariam a amadurecer um estilo.

A empresária ainda me aconselhou a tratar de assuntos de interesse mais abrangente. Já que gostava tanto de falar de Felicidade, por que não escrevia sobre isso? O problema não estava em que falar – falo sobre felicidade em boa parte de minhas crônicas – mas em como falar. Dependendo da perspectiva que empregue, o texto pode se tornar reflexão filosófica travestida de crônica assim como pode igualmente caracterizar-se ensinamento de auto-ajuda.

Nada tenho contra a auto-ajuda. As teorias de conhecimento – sejam científicas ou não – são maneiras possíveis de interpretação de vida. Entretanto, temos uma diferença entre Filosofia e auto-ajuda: Filosofia aponta os caminhos e o responsabiliza pelas atitudes na mesma proporção em que a auto-ajuda aponta o caminho, prometendo-lhe sucesso entre as mensagens subliminares.

Felicidade, amor, tristeza, morte, sucesso, alegria, amadurecimento e mais duas ou três dezenas de temas importantes que atravessaram as discussões filosóficas nos últimos cinco ou seis mil anos interessam tanto à Filosofia quanto à auto-ajuda de maneira que, sob vieses próprios, qualquer um pode escolher entre as duas teorias do conhecimento. Quando, por exemplo, tratamos de Felicidade, a primeira pergunta que alguém pode nos fazer: você é feliz?

Confesso minha limitação entre teoria e prática. Tratar de Felicidade, arregimentando os pensamentos na tradição filosófica, é muito fácil. Já no âmbito pragmático, tenho mais dificuldades para responder perguntas específicas sobre pais, mães, irmãos, esposas, maridos, filhos, demais parentes e agregados. Pensava em resposta para pergunta determinada quando me lembrei de Dedé Santana. Já ouviram falar de Dedé Santana, aquele Dedé dos Trapalhões, que surge na televisão por volta do meio-dia de domingo?

A família de Dedé vivia num circo, pulando de cidade em cidade, de estado em estado, apresentando números, convidando a população a assistir aos espetáculos. Durante longas semanas, Dedé, a família e os integrantes da trupe passaram fome até que, por uma dessas viradas do destino, conseguiram vender os ingressos para o espetáculo das oito horas da noite. Almoçaram bem, comemoraram a sorte, brindaram a vida. Às seis e meia, o pai de Dedé faleceu. Colocaram o caixão numa tenda. Na outra, a do circo, Dedé pulou, cantou, dançou e fez os espectadores rirem por mais de hora.

Se sou feliz? Provavelmente... Se sei ensinar alguém a conseguir a felicidade? Nunca! Imagino que a busca da Felicidade resulte dos confrontos e, nesse ponto, apenas Dedé pode responder como fazer os outros rirem enquanto o coração sufoca.

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 2 de setembro de 2011.