EU SOU NEGUINHA

Chamar alguém de NEGUINHA, segundo a lei que hoje vigora no país, é preconceito, é crime...

Para mim, ser neguinha não é nenhuma ofensa, é identificação, mesmo muitas pessoas me classificando erroneamente de morena.

Passei minha vida toda querendo ser neguinha, desejando ter a pele escura como a noite e a lei vem dizer que ser chamada de "nega" é ofensa. Na verdade, ofensivo pra mim, é ver negros sendo confundidos com bandidos por causa da cor, é observar que na sociedade a participação do negro nas esferas do poder é ínfima, me ofende saber que a maioria da população pobre e em alguns casos, miserável, é negra, e isso não é porque o negro é peguiçoso e indolente, mas porque o acesso ao mercado de trabalho daquelas profissões de melhor status financeiro se restringe à "boa aparencia" ou a um currículo que a uma boa parcela da população carente (negros em sua maioria) não consegue alcançar... isso sim me ofende, ser NEGUINHA não é pra mim ofensa nenhuma, antes, é estado de espírito, é consolidação de minha personalidade...

Vou contar uma coisa, em minha vida teve um negão, aquele preto velho, retinto e reluzente, de cabelos brancos e barba raleada, meu pai, de quem eu tinha orgulho e admiração e sonhava ter a pele tão preta quanto a dele, mas a genética sacaneou comigo.

Eu, filha caçula, criada com todo o mimo que pode ter a "raspinha do tacho", tinha a pele mais clara de todos os outros filhos de João Rita, meus cabelos cacheados, minha cor desbotada em relação aos irmãos faziam surgir comentários maliciosos de pessoas que, por certo, não tinham nada melhor a fazer, que tentar a todo custo manchar a índole de pessoas de bem, dizendo não ser eu filha dele ( e isso, querendo ou não, enchia minha cabeça de dúvidas, achando que os maledicentes tinham razão).

E eu ouvia aquilo que diziam e sofria na pele, pois o povo não sabia que eu era igual à minha avó materna; cresci com complexo de cor, sofrendo por não ter a pele tão negra quanto meus irmãos, não ter o cabelo tão crespo quanto eles, me sentindo inferior e achando que o pai que eu tinha era pai somente deles, ... e eu, sabe-se lá filha de quem...

Mas um dia em passeio em casa de irmã mais velha, sentada à mesa dela pedi farinha com açucar e comecei a comer, em seguida não parava de soluçar... Minha irmã falou a frase que jamais pude esquecer: "Essa puxou mesmo o papai,... adora farinha com açucar, mas é só começar a comer e tem crise de soluço!"... Nesse dia, eu descobri engendrando em minha mente de criança, através da docura da açucar e da brancura da farinha, que, independente da cor, eu sou filha de papai,... E eu sou NEGUINHA sim!!!

Em pensar que por muito tempo tentaram me fazer não ser nega só porque a biologia materna quase em minha derme prevaleceu... Não quero saber de nada, se me chamarem de parda, vou buscar os meus direitos, se falarem que sou morena vou brigar e esbravejar, e chamar de preconceito de cor... chamem-me de NEGUINHA... sou NEGUINHA, por favor!

Poxa, esses meus lábios carnudos, nariz largo, ancas e trazeira fartas são traços de minha raça, vestígios de minha cor, sou NEGUINHA, sou NEGUINHA, por favor!!!

Irene Cristina dos Santos Costa - Nina Costa, 04/09/2011

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 04/09/2011
Reeditado em 04/09/2011
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