O horto da minha horta

O horto da minha horta.

Na minha horta, aquela no bairro Desengano, em vergonhoso incesto e derrubando tabus, convivem em canteiro taludo-manteúdo com esterco de vaca puro-leite, alface crespa, alface lisa, alface roxa americana. Ao lado, esguias como pinheiros do brejo, couves adultas, aguardando pela participação no próximo caldo verde, quando se apresentam em tiras embramadas, embromando os dentes da gente, fazendo fita, tomando ares de balzaquianas à la madame Bovary.

Esperando pelo chamado SUS para redução do estômago, rechonchudas chicórias, banidas à escória das verduras, só porque, catolissíssimas que eram, abandonaram a pia união das filhas de Maria, e agora são ex-carolas, para a alegria do Al-Meirão, religioso sunita que, do seu canteiro, cinco vezes por dia se volta em direção a Meca e outras tantas cinco vezes por dia eu o devolvo à posição original, ereta ( que Napoleão não me leve a mal).

As cebolinhas de cheiro torcem pelo futebol, particularmente o Santos. Tanto é que todas as touceirinhas penteiam os cabelos espetados para cima como os do Neymar.

O agrião, assim como eu, é menos exibido, pois além de mostrar pouco brilho, tosse, pigarreia, lembrando que tem serventia para brônquios afetados.

Como se fosse súcula com S, a rúcula não seria tão amarga como com o R ríspido, rancoroso, rabugento. Apesar da inicial inadequada (pobrezinha) não é raivosa, mas, frágil, murchando e encurvando-se logo que colhida, como mulher amparada pela lei Maria da Penha, triste igual a canto de juriti enlutada.

As beterrabas põem apenas um pedacinho do rosto a mostra, roxas de vergonha, pois, para encobrir a nudez possuem apenas esparsas folhas insuficientes e ruivas, escandalosamente ruivas.

Enfeitado à maneira de baiana de terreiro com seus penduricalhos, o pé de pimenta cambari simula humildade pondo suas frutinhas de cabeça para baixo. Experimente uma e você descobrirá o que é que a baiana tem...

Além da cerca, inteirado da sua grandeza, o pé de louro trança uma coroa com ramos e folhas para cingir a cabeça do pobre mandi deficiente físico e campeão para-olímpico. Sob o loureiro, a erva-doce, doce, perfumada, serena, olorosa como noivinha tricoteira fazendo tênues e transparentes rendas perfumando o ar com seu hálito de anis. Ai que vontade de beijar (a noiva, digo)!

Os tomateiros com suas folhas ásperas pensam que enganam os residentes da horta como se fossem urtigas perigosas. Puro fingimento. Se eu tivesse alma feminina talvez escrevesse que é puro charme.

Nestes dias ao entardecer, sei lá porque, uma seriema de voz metálica, como que raspando fundo de lata enferrujada, ronda o galinheiro, cantando uma franga na puberdade, virgem, zerinho ainda, induzindo-a a “ficar”, numa tarde desenluarada. Enxotei a pedófila (ornitófila?) desavergonhada, despudorada, que partiu em passos largos rumo ao pasto do Fidalgo.

Quanto a mim, sei que perdi a oportunidade de produzir uma nova espécie de aves, que poderia chamar-se “galiema”...