CONTRARIANDO A REGRA
 
 
                      Conta-se que um casal apaixonado dialogava efusivamente e lá pelas tantas da noite a moça olha meigamente para o namorado e indaga:
- Meu querido, por que será que a lua está escondendo-se tão cedo?
                     E ele romântico e também carinhoso responde com voz mansa de poeta:
- A lua está envergonhada de ti. Não se conforma com a tua beleza. Por isso se vai.
                    Passado uns três ou quatro anos lá estavam os pombinhos no mesmo local e hora. Só que ambos bicudos. Bem distantes um do outro, física e mentalmente. Sentimentos cem por cento antagônicos.
                    Outra vez a mesma indagação de forma e com palavras diferentes:
- Você não vai me dizer que a lua está se escondendo por causa de mim, vai?
                    E o rapaz cuja juventude já se esvaía não respondeu, mas comentou com ar veemente:
- Não, sua burra. Não está vendo que vai chover? Sua imbecil.
                    Pois então, o causo que vou contar contraria essa regra. Isto é, teve início praticamente idêntico, mas com final que ultrapassa o limite do amor entre dois seres.
                    Paulo e Cynthia amavam-se muito. Sempre que tinham oportunidade estavam juntinhos numa enorme pedra na costeira da Prainha Preta, em São Sebastião.
Se for durante o dia, nadavam nas águas límpidas daquela prainha encantada. Há sessenta anos atrás, as praias do nosso litoral não eram poluídas. Via-se o fundo do mar, com seus mariscos, siris, camarões, pequenos peixes numa tranqüilidade e paz.
                    E assim, numa tarde já escurecendo lá estava o casal namorando. A lua apareceu vagamente ao mesmo tempo em que adentrava as nuvens. E nesse vai e vem ela sumiu de vez. Uma brisa fria soprou e eles aconchegaram-se o máximo possível para agasalhar os seus corpos nus.
                    - Que pena que a lua se foi, não? Meu amor será que ela ainda volta? Perguntou Cynthia a Paulo.
                    - É bem provável que sim, mas não mais nesta noite. A mudança da estação traz esse vento e o frio. O céu fica nublado, por isso só depois de decorrido doze horas é que começa a mudança de posição da lua. Assim é que se dá com a temperatura e a entenderia.
                    Foi esta a resposta amorosa de Paulo.
                    Eu, este modesto escrevinhador, falo de um caso verídico. Falo de pessoas lindas de corpo e alma. Os conheci e com eles convivi por muitos anos. Acompanhei as suas trajetórias de vida. E confesso. Não me invejo, mas sinto orgulho disso.
                    Disse no início e intitulei esta minha crônica de CONTRARIANDO A REGRA. Isto porque quase que a unanimidade dos homens afirma que o amor entre marido e mulher não existe. Que é tudo fogo de palha que acaba no primeiro vento que sopra. Tem inclusive um ditado popular assim: “O AMOR É COMO UM PIRULITO. COMEÇA BEM DOCE E ACABA NO PALITO”.
                    Com Paulo e Cynthia tudo se deu bem diferente, contrariando os mais incrédulos e provando que o amor verdadeiro existe. Desde os anos de cinqüenta e seis, quando eu os conheci até o ano de dois mil e cinco, quando eu os vi pela última vez lá mesmo em São Sebastião, continuam unidos e se amando. De certo que o frenesi da juventude já não mais está habitando os seus corpos frágeis pela idade. No entanto a gente percebe que espiritualmente eles estão muito acima do nosso pobre patamar quanto ao amor. Nessa minha visita ao casal, que já tem netos e bisnetos, conversamos e comentamos bastante sobre a nossa infância e juventude; os passeios e as horas e horas em que ficávamos observando o mar. Eu entretido na pescaria e eles namorando.
                    Que lindo! Que maravilhoso podermos lembrar de tantos e tantos momentos de felicidade. Como é maravilhoso saber que o amor nunca morre. Ainda que seja triste saber que nós frágeis mortais morremos para o amor.
                    Enfim, como é lindo, maravilhoso e gostoso viver. Sentir o carinho de tantas pessoas queridas. Não importa se um dia a gente vai se mandar para o outro plano. O que importa é termos consciência de que fomos e somos úteis a alguém em algum momento das nossas vidas.