Naturalmente, amor

Ontem, andando pela cidade deparei com inusitada cena; um “carro” de papeleiro meio atravessado na Rua e diante dele um homem desacordado. Do outro lado da rua uma mulher desesperada clamando que alguém fizesse algo para ajudar ao infeliz.

Em solidariedade a ambos, me aproximei para ver o que poderia ser feito em socorro. Na minha preocupação filantrópica, sequer reparei nos três cães deitados em volta do infeliz. Quando pensei em abordá-lo para ver se estava ferido fui atacado pelos animais, e a custo evitei ser mordido, dando uns passos para trás.

Com a azáfama o sujeito despertou, apoiou-se nos cotovelos e fez o sinal clássico levando o polegar em direção à boca, para dar a entender que estava pra lá de Bagdá de pinga, seu “único” problema. Estava esperando o organismo processar os “dados” antes de seguir sua sina.

Aliviado por ser um mal menor, segui, como o coração acelerado pelo susto que os bichos me deram. Sempre ouvi falar sobre a fidelidade canina, mas, dessa vez senti na pele. Os pensadores pré-socráticos já diziam: “Os cães atacam aos que lhe são desconhecidos”. Não importava se minha intenção era ajudar, ou se seu dono era um mendigo; importava que ele, era o dono, eu, um estranho que precisava ser resistido.

Onde moro tem dois vira-latas que quase nunca recebem nada de mim, raramente um carinho, e nem sou eu que os alimenta, todavia me recebem com festa cada vez que chego ao portão, pois, me acham um dos seus chegados.

Ah se amássemos de um jeito canino! Costumamos prezar menos nossas conquistas com o tempo, e nos embrenhamos no desconhecido deixando feridas em quem é de nosso convívio, por razões inexplicáveis...

Mais adiante, um casal de pombas fazia seu ninho na forquilha de uma árvore; um trazia os ciscos e outro os acondicionava formando-o. Não havia outro par que interessasse a nenhum deles, nem outro ninho a visitar, sua vida estava ali.

Se, contrário ao ensino das Escrituras Sagradas que mostram o homem como ser caído, formos um produto da natureza que evoluiu, devemos ter crescido para baixo, como rabo de cavalo...

Na mesma praça, um ancião pediu ajuda para telefonar ao seu filho, pois, não sabia “pilotar” o celular, sua máquina moderna. Por razões de ignorância tinha dificuldade em lidar com o novo que desejava, contrário aos cães que rejeitavam, por desconhecer.

O fato é que na arena do saber as novidades são bem vindas, no que tange ao sentir, não há espaço para invenções. Quando essas ocorrem são reflexos de uma fuga inglória, uma tentativa de tratar no âmbito da alma do corpo, aflições de cunho espiritual...

Leonel Santos
Enviado por Leonel Santos em 10/09/2011
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