Procurando vida

Em plena luz do dia e em meio a um aglomerado de pessoas que transitavam feito formigas num ir e vir por caminhos estreitos e cheio de obstáculos; em destaque, estava ela. Indiferente aos olhares que lhe eram fixados em pequenas frações de tempo; num relance, e que, pelo maior dos absurdos, não demonstravam a menor estranheza. Podia-se dizer que havia um descaso recíproco. Percebia-se que não tinha muita idade, porém, marcas em seu rosto denotavam maus tratos. Mesmo assim, seus traços eram quase perfeitos; como se fossem feitos por um artesão. O curioso era o fato de possuir uma deficiência física e o trabalho a que se propunha. Algo até então incomum, não condizente com os parâmetros normais de estética e, portanto, uma proposta tipicamente apelativa. (opinião minha)

Ainda que só possuísse metade de cada braço, e isso não lhe tirou a graça; tinha a pobre que posar fazendo caras e bocas por um tempo indeterminado com trajes íntimos, mesmo que o verão ainda estivesse distante. Manter-se nessa posição de extrema sensualidade expondo-se numa situação degradante, e mesmo assim, suponho, não tenha alcançado seu objetivo. Sequer aos homens atraia. Algumas mulheres, dizem, fixavam os olhos com muita naturalidade ou curiosidade nas lingeries que a moça de olhos petrificados vestia – por certo com a cobiça de ter igual.

O barulho que vinha de fora não a incomodava, assim como ninguém, ainda que quisesse, poderia tocá-la. Se pelo menos tivesse alguém para lhe fazer companhia – mas não, estava só e mais um amontoado de trapos que não se pode chamar de velhos, embora a ela, não fizesse a mínima diferença.

Soube dias depois, que finalmente ela foi retirada daquela função, e que agora está numa sala que mais parece um depósito, onde literalmente foi jogada juntamente com outros. Mas continua com aquele mesmo olhar - e todos sem roupas.

Por sua vez, na vitrine onde ela estava, há um cidadão muito bem vestido, e sem cabeça... talvez para não fazer comentários.