Padrinho Avô

Convidei o meu avô de 82 anos para ser o padrinho da minha filha no almoço desse domingo em família. Ele ficou desconcertado, não sabia o que dizer, mas disse assim mesmo o que pensava:

- Pela tradição, filho, não se pode recusar quando alguém te convida para afilhar uma criança, mas eu estou muito velho e padrinho tem que ser gente nova que possa cuidar da criança por toda a vida dela...

Padrinho e Madrinha? Batismo? Hum...e eu que sempre fui contra esse tipo de ritual, talvez até porque nunca soube o que era ter padrinho ou madrinha; não por não ter tido, lembro de rostos e nomes na infância, mas as pessoas que me apadrinharam ficaram perdidos no tempo, nunca foram presentes, e tem gente que se faz presente, mesmo ausente.

O meu avô me criou.

Como perdi meu pai muito cedo, ele sempre foi a figura paterna que mais me transmitiu os valores que eu precisava aprender em relação ao mundo em que vivíamos e ao mundo espiritual, ou seja, foi o meu verdadeiro "padrinho".

Batizar vem da palavra grega βαπτίζω, que significa "mergulhar na água", com uma conotação de purificação, já que a água "tudo lava". Há também fontes que sugerem que a água também tinha a função de simbolizar o "renascimento" da pessoa que começava a trilhar um caminho espiritual.

A origem do batismo como o usamos hoje é judaíca e acabou sendo incorporada as religiões cristãs depois, que segundo a bíblia, Jesus foi batizado por seu primo João "Batista", ou seja, "João, aquele que batiza". Quanto a origem do termo "padrinho"; na época dos primeiros cristãos, quando eles tinham de se esconder, por causa da perseguição religiosa, as celebrações e rituais eram feitas na catacumbas da cidade, esotéricamente, e os rituais eram realizados somente em adultos. Então, quando alguém queria ser cristão, não podia simplesmente aparecer no lugar do ritual, esse "iniciado" tinha de ser apresentado por intermédio de alguém, que afiançava as boas intenções, e que o preparava, ensinando-lhe os ensinos da nova religião e quando o "afilhado" estivesse preparado, o padrinho apresentava o novo cristão à comunidade, e a sua integração era gradual.

Com o tempo, o ritual foi mudando, e novos "dogmas" sendo incluídos, até virar hoje em dia, mais um ritual sem significado importante, quase uma obrigação social, com pouca conotação espiritual, apesar do cunho religioso, principalmente em famílias católicas brasileiras que veem esses rituais como mais uma festa, começando numa cerimônia de enfeite e terminando em gente caindo embriagada de churrasco.

Eu que não sou cristão, nem tenho religião alguma, sempre conversei com a minha esposa que se houvesse um "batismo" para a nossa filha, esse ritual deveria ser optado por ela, quando já estivesse adulta. "Liberdade religiosa sempre, conversão espiritual nunca" sempre foi meu lema, minha bandeira. Porém, desde que a minha filha nasceu, alguns símbolos começaram a surgir e percebemos que o mundo ao nosso redor queria nos mostrar que precisavámos mesmo fazer um ritual de apresentação espiritual da nossa filha e faríamos, de acordo, com o que acreditavámos pudesse fazer diferença e representar algo importante não apenas para os familiares, mas principalmente para a nossa filha, quando ela crescesse, daí, a escolha do bisavô dela como padrinho.

- Pela tradição, filho - disse meu avô - não se pode recusar quando alguém te convida para afilhar uma criança, mas eu estou muito velho e padrinho tem que ser gente nova que possa cuidar da criança por toda a vida dela...

- Pela tradição, vô - eu disse - o padrinho deve ser alguém que represente, em sí, os melhores valores espirituais para o seu afilhado e não conheço nenhum outro homem na Terra que represente esses valores tão bem quanto o senhor. Seria uma honra para eu e a minha esposa, que a nossa filha possa ter como padrinho o homem que "apadrinhou" o pai dela.

- Mas filho, eu estou velho e daqui a pouco vou-me embora, e quem é que vai cuidar da menina?

- O Senhor, meu avô, tanto aqui na Terra quanto no Céu.