Sepulcros caiados

Eu escrevo este texto após tentar participar de um desafio literário. A ideia era escrever um texto opinando sobre o “11 de setembro” (*), comentando sobre o ocorrido. O início era moleza, pois foi naquele 11 de setembro de 2001 que fui saber que existiam as ditas torres. Até aí nenhuma novidade, pelo menos para quem me conhece. Sou péssimo para essas coisas de grandes construções, carros e perfumes. Depois desenvolvi o tema enfatizando meus sentimentos sobre as pessoas envolvidas, citei um livro que li, as imagens chocantes, o choro, o desespero, o pânico... e finalizo comparando o 11 de setembro com outras grandes tragédias da história da humanidade, que em número de mortes excede os quase três mil em Nova Iorque. Lembrei-me do que ocorre na Somália, onde 750 mil pessoas podem morrer de fome nos próximos meses devido ao trágico momento por que passam; da devastação humana ocorrida em Ruanda, onde um milhão de pessoas morreram num massacre; também temos aquelas outras centenas de milhares de pessoas que morreram na antiga Iugoslávia. E por aí vai. Concluía o texto tentando criar um paralelo entre tragédias, e todas, ao final de tudo, fruto da imbecilidade humana. Uma leitura despretensiosa daria a impressão de certo anti-americanismo, o que não seria verdade. Desisti do texto por julgar-me hipócrita.

Eu preferi ficar com a opinião de que o ser humano é o culpado por este e qualquer outro evento que interfira em sua própria caminhada. O homem-sábio, dotado de ciência e tecnologia convive com o homem-besta capaz de criar bombas e guerras. O homem separa aquilo que ele mesmo é capaz de unir, criar. Enquanto não formos capazes de superar as divisões geográficas e encontrarmo-nos como viajantes numa nave comum não teremos condições de encontrar a paz.

O homem-besta que lança avião contra um prédio é irmão daquele presidente ou chefe de estado que vê o povo morrer de fome e continua acastelado, traficando armas, drogas, influências, pessoas. Os americanos são ditos prepotentes, e criadores de uma cultura da tragédia, do consumo desenfreado e desmoralizante; e nós, latinos? A América Latina produz beleza, mas produz também uma cultura incompatível com nosso potencial humano e natural, o que resulta nos escândalos de corrupção, violência, desigualdades de todos os tipos e no consumo de drogas ilegais, somados à crescente desmoralização de nosso povo em seus valores mais básicos e fundamentais.

Pareceria um tanto quanto infantil questionar as celebrações dos dez anos do trágico evento de Nova Iorque, em comparação com outras grandes tragédias dos nosso tempos, que são a fome na África ou as guerras étnicas em outros cantos, que ceifam milhares ou milhões de vidas nos quatro cantos do globo. Talvez. Mas ocorre que temos certo prazer em sentir pena através da televisão, enquanto temos dificuldade em praticar a compaixão. Choramos as imagens de crianças famintas nos telejornais, mas atravessamos a rua para não encarar o mendigo; fugimos da padaria para não esbarrarmos com a criança com cara de pobre, para negar um pão. Enfim, o 11 de setembro ocorre todos os dias em diversas escalas de mortes inocentes, que é o que importa, acima de tudo.

Releio o texto. Acabo escrevendo praticamente a mesma coisa de antes. Não tenho jeito. Sou humano, sou hipócrita, um sepulcro caiado.

(*) Escrito entre aspas por tratar-se de um substantivado, e não mais de uma data qualquer.