Armadura

Silêncio. O silêncio inquieto. Ter tanto a falar e não conseguir. Formular frases inteiras, discursos ou discussões, que simplesmente morrem ao entrar em contato com a língua, ou dedos; no meu caso, os dois. O que nos causa isso? Não sei dizer. Mas ao mesmo tempo que impede o desabafo, nos deixa mais inquietos. Seria como uma panela de pressão talvez. E não sei dizer o que aconteceria se a deixássemos no fogo por muito tempo. Nunca vou saber quantas pessoas no mundo são assim, entretanto posso falar muito bem de uma só: eu. Não que isso vá responder a questão do que aconteceria com a panela de pressão, pois passamos a vida nos conhecendo, e situações diferentes provocam reações diferentes. As vezes me perguntam porque sou tão fechado, não dizendo o que sinto. Eu nunca tentei abrir um panela de pressão recém tirada do fogo, e nem mesmo essa minha não-experiência me faz querer abrir. O que acontece é a válvula de escape agindo sempre, mas calma, no seu ritmo, em detalhes, em olhares, em conversas. Não recordo de alguma vez, um amigo ter me chamado de fechado ou algo do tipo, isso porque não tenho vergonha nenhuma em dizer que amo alguns caras. Só por ser um amor de irmão, de companheiro, não deixa de ser amor. Devo a eles boa parte dos meus momentos felizes. Já quando estamos em outro nível de relacionamento, na paixão, aí as coisas não são tão esclarecidas como antes. Sim, tenho problemas em me abrir, em declarar minhas poesias tantas vezes repetidas no silêncio das noites, a qualquer pessoa que eu possa me apaixonar. Sou um apaixonado, e como tal aprendi a não ser correspondido. Aprendi a sofrer sozinho no meu canto, e perdido entre as batalhas da consciência e do sentimento. Não vejo como um homem apaixonado possa ser aberto. Um homem apaixonado é um cavaleiro sem armadura, que na medida em que espadas vindas de todos os lados durante a batalha, vai se vestindo e consequentemente protegendo. Quando encontramos uma noite estrelada de calmaria, começa o lento processo de retirada dessa armadura, as pessoas que passam por nós durante essa noite, podem trazer consigo adagas que são logo direcionadas a nós. E a cada ferida, a armadura se torna mais forte, e mais pesada também. Embora a dor de cada golpe levado seja similar, não se torna menos dolorida. Com essas palavras, pode parecer que eu não gostaria de ser assim, mas isso também não é verdade. Existe algo acima chamado princípio. Eu tenho alguns, que vem de minha criação e reflexões, que me fazerm acreditar que é melhor ser assim. Me recuso a ser um cavaleiro de armadura dourada e asseada, reluzente e imponente, mas que no primeiro sinal de batalha, na primeira flecha que vê descendo dos céus, recebendo cobertura dos raios do sol, foge, temendo por sua vida. Prefiro mais ser o cavaleiro da armadura amassada, lanhada, cheia de riscos e fendas, e apesar disso, está no front, vendo no horizonte uma nova possibilidade, que pode ser tanto a sua morte como a paz. Aí vem uma teoria em que todo relacionamento de um homem apaixonado é uma guerra. Pode ser que ele seja ferido logo na primeira saraivada de flechas, pode ser que dure até o combate corpo-a-corpo, mas ele luta com uma coisa em mente, a também possibilidade, mesmo que remota, de que haja um acordo pacífico, um entendimento entre os lados, que trará a paz no reino, e que tornará a armadura desnecessária, fazendo-o voltar a ser o fazendeiro de outrora, plantando e colhendo somente o que há de melhor. Pode ser que um dia a paz seja quebrada, mostrando que era apenas uma pequena trégua, e pode ser que o fazendeiro tenha de vestir a armadura novamente. Mas essa é a sua sina, e também seu desejo. Lutar por aquilo que acredita, e o fará sem pensar, pois ele acredita, que a paz verdadeira existe, e um dia, ele há de viver sob ela.