O SUICÍDIO DE UM MENINO NA ESCOLA

Anteontem uma mãe estava com o almoço pronto, esperando o filho de 10 anos voltar da escola, mas o filho não voltou; ele tinha se matado com um tiro na cabeça, após dar um tiro em uma professora, dentro da sala de aula.

Esse choque chocou o mundo, abalou o mundo, destruiu o mundo interior de alguma parte da humanidade.

Quantas pessoas disseram: “Não sei o que pensar!”, “Não sei o que dizer!”?

Eu também não sei o que dizer. Por isso passo a palavra ao Rodolpho, cuja obra “A Escola do Terror” eu já tinha lido.

Acho que o Rodolpho tem mais prática do que eu para falar da tragédia do menino suicida, de 10 anos de idade. Leiam vocês.

O SUICÍDIO DE UM MENINO NA ESCOLA

Anteontem, um menino de 10 anos suicidou-se numa escola pública de São Caetano do Sul, Estado de São Paulo, após ter dado um tiro na barriga da professora, dentro da sala de aula, na presença de mais de outras vinte crianças.

Esses são os fatos. Agora vêm os boatos.

Por quê? Por quê? Por quê?

Por que esse menino malvado, esse marginalzinho, atirou na coitadinha da professora?

Por que esse pai bandido deixou a arma semi-automática, de 14 tiros, dando sopa para que o menino a pegasse e a levasse para a escola e praticasse o crime?

A professora, de 38 anos, já tinha reclamado para o namorado que o menino era mal comportado. Coitadinha da professora!

Ainda bem que o menino morreu. Era covarde desde os 10 anos, pois preferiu se matar, covardemente, a ter que enfrentar as conseqüências de seu crime e ir parar na Febem.

Tudo isso foi o que eu ouvi, em comentários de supermercados, padarias, clubes, salas de aula, e por ai afora.

Não ouvi um único comentário de lamento pelo trágico destino do menino. Todos só se preocupavam com os perigos que assolam as coitadinhas das professoras das escolas públicas.

Meditei um pouco sobre o caso, e exponho aqui algumas das minhas conclusões.

Começarei dizendo que, na semana passada, um professor da Faculdade de Direito Mackenzie, foi afastado do cargo por ter insultado uma aluna e, além disso, ter dado voz de prisão contra a aluna de Direito, acusando-a de crime de desacato contra autoridade, pois ele, além de professor no Mackenzie, é também Procurador do Ministério Público Estadual.

O Mackenzie é uma universidade particular. Se fosse numa universidade pública, com certeza absoluta a aluna seria expulsa e seria, sim, presa, por desacato a uma autoridade.

No ensino particular fundamental e médio nunca ouvi falar em violência dentro dos colégios, nem violência de alunos contra alunos, nem violência de alunos contra professores.

A pergunta é: qual é a razão dessa diferença?

A razão dessa diferença é que os professores das escolas públicas são funcionários públicos, dotados de poderes e autoridade estatal, e, sem sombra de dúvida, usam e abusam desses poderes, sem nunca serem responsabilizados por esses abusos.

Se uma criança reclama com os pais pelos maus tratos praticados pelos professores nas salas de aulas, e esses pais forem reclamar diretamente com os professores, os mesmos chamam a polícia militar e mandam prender esses pais por crime de “desacato” contra autoridade.

A criança odeia a escola pública e considera a escola um tipo de prisão, mas é obrigada a ir diariamente a essa escola, sob pena de os pais serem presos pelo Ministério Público por não terem enviado os filhos a esses antros de violência.

Ensino não existe, as crianças das escolas públicas terminam o ensino fundamental e o ensino médio sem saber tabuada, sem saber multiplicação, divisão, sem saber escrever um bilhete sequer, porque os professores das escolas públicas não ensinam absolutamente nada. Sendo assim, explode a violência.

Uma professora de 38 anos que não procura entender o comportamento de uma criança e exige que a criança é que tem o dever de compreender a ela, professora de 38 anos, mostra o barril de pólvora em que estão as escolas públicas.

A criança não é uma massa de moldar que os pais, a escola e a igreja dão a forma que querem. A criança é um ser humano, que pensa, que raciocina, que absorve conhecimentos por meio da televisão, da internet e de todos os demais meios de comunicação atuais. A criança não aceita palavras, como meio de modelagem. A criança exige comportamento por parte dos modeladores.

Pais e professores não podem proibir a criança de fumar quando eles próprios fumam desbragadamente. Pais e professores não podem proibir a criança de beber bebidas alcoólicas quando eles próprios bebem vinho, cerveja, uísque, na frente das crianças. Pais e professores não podem exigir das crianças um comportamento disciplinado, um comportamento sereno, um comportamento pacífico, um comportamento de autocontrole, quando eles próprios são descontrolados, revoltados, invejosos, desbocados.

O sociólogo Erving Goffman elaborou a teoria das instituições totais (prisões, hospitais, conventos, asilos) onde o ser humano é anulado.

O sociólogo Randal Collins, na obra “Conflitos”, deixou claro que a família e a escola também são instituições totais que anulam, massacram e trituram as crianças.

A Lei Maria da Penha tem protegido, e protegido muito bem, as mulheres. Porém, as mulheres sabem como usar e abusar da Lei Maria da Penha.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei morta, uma lei não respeitada por ninguém, nem pelos próprios pais, nem pela escola, onde as crianças são vitimadas.

Se existir alguém que se horrorizou e se comoveu com o trágico e monstruoso suicídio do menino de 10 anos, uma prece poderá amainar a dor dessa tragédia, mas não poderá devolver a vida do menino.

A necessidade de acabar com a ilusão das preces é a necessidade de acabar com a situação que mantém tal ilusão.

Escrevi um livro intitulado “A Escola do Terror”, dividido em três partes, a saber: “A Desconstrução da Criança”, “Não Existe Poder Individual”, e “Trágico Epílogo”.

Nesse livro não procuro apresentar soluções; procuro despertar sentimentos; procuro lançar na cara de cada um a responsabilidade que cada um tem por essa desgraça, que dá razão a Machado de Assis quando o mesmo declarou, em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.

Rodolpho – sábado, setembro, 24, 2011.

MILIPA
Enviado por MILIPA em 24/09/2011
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