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         PASSOS DE SETEMBRO



        "As  imagens  que  ora  me  perseguem,são  as  mesmas com  que sempre  convivi"






Perambula um resquício de inverno na manhã de setembro.Cambaleante,mas persistente,faz-me vestir um agasalho leve para minha caminhada matinal.
Decidido,hoje optei pelo caminho da mata.Quero aspirar a paz do silêncio.Paira uma neblina rala em tudo que vejo.Um manto de finíssimo tule envolve a natureza embalando-a em delicado presente à primavera que se avizinha.
Alguns muros e portões,meus velhos conhecidos,antecipam recados floridos e janelas,fechadas ainda,guardam privacidades da gente da rua em que vivi mais da metade de minha existência.
Dobro a esquina. O destino será a velha estrada da Olaria São Francisco. Pereiras centenárias,vestem-se de branco.Uma rajada de vento e, floradas dançam no ar feito nevasca.O chão vai aos poucos transformando-se num alvo tapete.De vassoura em punho,a figura esguia de uma mulher varre os terreiros.Um filme passa em minha cabeça.As imagens que ora me perseguem são as mesmas com que sempre convivi.
À quem leu "Éramos Seis",da escritora Sra.Leandro Dupré,e sentiu com a personagem de dona Lôla o amontoado de emoções quando de sua passagem pela antiga casa da avenida Angélica,fica fácil avaliar o que sinto na minha passagem pelo endereço onde florescem ainda as pereiras de minha infância,do qual tive um dia de desfazer-me.Não é um mero saudosismo.Chega  à  ser uma saudade boa de sentir.É a volta do "Éramos três"(meus pais e eu) e um entra e sai de tantos amigos que faziam daquele espaço uma perene alegria.O atual proprietário, meu velho conhecido,é zeloso em manter o que ainda resta do pomar.Isso me alegra.
Sigo adiante.Um silêncio de templos entrecortado pelo ruído seco de meus passos e,vez e outra,pelos trinados de algum pássaro.
Como que saídos das páginas do Evangelho,os campos de trigo estendem-se nas laterais da estradinha de chão.A aragem fresca da manhã os penteia em ondas de macios contornos.De repente surge de um capão de mato um lenhador,a esposa e uma criança de colo.O cavalo magro que conduz pela mão serve de montaria para mãe e filho.
Sou tomado de uma estranha sensação.Aqueles trigais,a família humilde...A cena remete-me à outra:”A sagrada”, em sua peregrinação...É muita semelhança! Cruzam por mim,e ainda que não nos conheçamos,cumprimentam-me com seus sorrisos desdentados e a resignação daqueles que sabem não haver muito a esperar da vida.
Ando um pouco mais e volto-me ainda à tempo de vê-los sumir na curva do caminho.
Paro diante do portão de entrada da antiga olaria.A fina camada de tule continua envolvendo à tudo.A chaminé ergue-se para um céu embaçado e cinamomos floridos espalham um cheiro de mel sobre as carcaças das casinholas desabitadas.Ao longe um galo rasga a quietude do dia e as cabras mastigam a placidez dos tempos.
Perco-me na imensidão quase azulada de distância.Por traz da cerca aramada,balem as cabras e diante da infinitude da paz, deixo balir meu coração agraciado pela serenidade morna da manhã de setembro.