Os loucos do busão

O homem é um ser social. Assim nos definiram as cabeças pensantes da Antropologia e outras ciências. Vivemos em comunidades ou provavelmente morreremos. Formamos grupos, portanto, em quase todos os locais que frequentamos. Temos a família, colegas de trabalho, amigos íntimos. Por aí vai. E quem pega o mesmo santo ônibus de cada dia eventualmente passa a reconhecer algumas caras e criar laços, ainda que sejam de ódio.

Assim tem sido parte da minha vida. A Stéphanie-refém deste mundo paralelo do transporte público, onde desconhecidos começam a soar familiares pois é impossível ignorar seus traços peculiares. E olha que estou sempre focada em um livro, como se ler fosse meu último escudo de proteção para não explodir de raiva, nem me tornar um desses loucos do “busão”.

Tipo 1 é clássico: o DJ. Alguém tão orgulhoso do próprio gosto musical que se recusa a pôr fone de ouvido. Fosse isso no Brasil, os maiores hits seriam funks proibidões, pérolas da banda Calypso ou um sertanejo breguíssimo. Aqui, geralmente é qualquer som que faça o DJ parecer um gangster super poderoso.

Tipo 2, incrivelmente comum no meu ônibus: o cantor. Uma pessoa que sonha em participar do American Idol ou crê que um caçador de talentos, em vez de querer furar os próprios tímpanos, vai se impressionar com essa estrela perdida que faz shows exclusivos para os pobres mortais do transporte público.

Tipo 3: o amigão. Usa qualquer pretexto para iniciar um papo sem fim! Contra ele, não adianta bocejar, fingir estar falando ao celular, olhar para o lado oposto, nem ficar calado. Ele desabafa a vida inteira, conta “piadas” e até dá tapinha no seu joelho. Dependendo do temperamento, ainda arma barraco, fazendo-se de vítima perante o resto do ônibus, caso sua reação não seja satisfatória.

Tipo 4: espaçoso. Não importa o quanto a “condução” esteja lotada, essa pessoa realmente pensa ter o direito de ocupar um assento com a bunda e outro com os demais pertences. No caso extremo, é também alguém que não para de se mover, abrindo e fechando sacolas barulhentas, derrubando objetos no chão e criando um “auê” para colocar tudo de volta no lugar - distribuindo cotoveladas, pisões e pedidos de desculpa que soam cada vez mais irritantes.

Tipo 5: o fedido. Alguns te premiam com aromas alienígenas e fazem você lamentar ser impossível cometer suicídio apenas prendendo a respiração. Daí, ramifica-se também o porco: come fazendo barulhos nojentos, joga lixo no chão do ônibus, arrota, coça o saco, e acha isso bonito.

Tipo 6: o realmente louco. Se você tiver sorte, ele não senta ao seu lado e estará feliz, rindo e se divertindo com um amigo invisível. Caso contrário, prepare-se! No meio do nada, essa pessoa pode cismar contigo e te xingar com um vocabulário indecifrável.

Otimistas classificam essas experiências como boas histórias de vida, pequenas desgraças que fazem todos rirem depois que a situação acaba. Já eu acho que, até 2015, ficar muito tempo no ônibus será taxado como causa de uma nova doença esquisita e irreversível. Só sei que sair ileso por tudo isso faz de você um admirável sobrevivente dessa bênção/tragédia que é viver em sociedade. Principalmente quando seu mundo diariamente se resume ao aperto de um transporte público.