Abstração

A capacidade de abstração é uma virtude. Uma invejável virtude. Queria tê-la, por agora, mais do que qualquer outra coisa. Abstrair é recomeçar, ao menos sob o ponto de vista de perspectiva. É reconstruir, por mais paradoxal que possa parecer. Se a abstração está contida no conceito de esvaziar pensamentos, se há na abstração a abertura de espaço para o novo, então eu quero o abstrato.

Porque pensar nas cores agora, numa hora dessas, é mutilar os sentidos, fragmentar o todo em milionésimos de pedaços estanques e sem vida. E Porque pensar em melodias, neste estado, é apertar a tecla mute diante da orquestra.

A capacidade de imaginação não é uma virtude. Queria não tê-la, por agora, mais do que qualquer outra coisa. Imaginar é recomeçar, mas sob o ponto de vista da auto-perspectiva. É refazer, por mais paradoxal que possa parecer. Se imaginação encerra em reconstruir, se há espaço de fazer de novo, então eu quero o abstrato.

Porque pensar em sorrisos, assim, é ironizar os sentidos, vomitar lembranças numa catarse desafinada. Porque pensar em conceitos, a essa altura, é descontextualizar premissas e brincar com a dor.

A capacidade de resignação é uma virtude. Uma invejável virtude. Queria tê-la por agora, mais do que qualquer coisa. Resignar é acreditar, sob todos os pontos de vista. É não entender, por mais paradoxal que pareça. A falta de entendimento pura, ideal, é o que quero, e é pura abstração.

Porque pensar em sonho, agora, é obstruir. Porque pensar em tempo, hoje, é reduzir. Porque pensar nas palavras, todas, é doer.

Porque pensar em verdade, sempre, é duvidar.