Aquela sexta

Depois de alguns dias, beijos, carícias e conversas tudo combinado.

Ele já ansiava pelas vinte e três horas. Tudo passava escorrido. A mente na casa e nos amigos que ficaram lá para organizar tudo. O corpo ansiando o toque da criatura ao seu lado e o coração se enveredando em caminhos desconhecidos. As lições que tentava dar atenção pareciam leves demais... Flutuavam e perdiam-se antes de alcançarem seus ouvidos.

O outro não menos ansioso, suas mãos suavam, o coração pulsava, e certo medo de não agradar lhe turvava a mente. ‘’Prova de fogo essa’’, pensava ele ‘’ não me basta conquistar quem amo, se quem eu amo ama e é amado por muitos’’ Expectativa e desejo de se integrar, de derreter a própria vida e fundi – lá na do outro.

Mas até o tempo mais infindável passa e chega a hora. Chamam mais alguns amigos. Um pensa ‘’ Melhor assim’’.

O caminho é agradável. Ouvem belas canções saindo de outras vozes, mas que poderiam ter acabado de serem compostas tamanha a afinidade poética que se encontrava naquele carro.

Na cabeça dos dois, durante o caminho, sobressaia a ânsia de se experimentarem, de descobrir se a cama seria o aconchegante e quente seio onde se alimentariam um do outro, e onde se tornariam um o outro.

Para um, a parada para escolher um bom vinho, as explicações, as caricias ainda relativamente tímidas, mas exploradoras eram um deleite. Ele tirava a sua alma da caverna. Ele expandia todos os sentidos a fim de absorver cada nova percepção do mundo. E se descobrindo, descobria seu amado. Via a beleza, a graça, o requinte e o carinho que jamais imaginou que um homem pudesse ter.

Eis o conflito.

Sentiu-se imerecido de toda essa beleza, porque há muito não podia mais ver a sua.

Em segredo desesperou-se. Sabia de tudo que o amado passara, e sentia que ele nada mais merecia do que a mais pura e completa felicidade. Sentiu medo da rejeição. Sentiu medo de se mostrar, porque pensava que se permitisse ser visto, passaria pelo vexame da nudez, sem nada além de algo grande e distorcido para mostrar. Apavorava a idéia de ser considerado inadequado... não pelo medo de realmente ser, mas simplesmente pela desaprovação de quem parecia ser tão importante para seu amor. Tudo que queria era sentir-se como eles. Era ser mencionado pela boca de seu amor do jeito que ele menciona essas pessoas. E quando viu, já estavam chegando e interrompeu seu martírio.

A cordialidade e a simpatia foram mutuas. Ele acabou esquecendo, por hora, seus medos. Franceses bebericando e analisando vinhos. Música boa. Luz refletindo sobre uma das coisas mais belas que ele já vira: um lago de peixes. ‘’Ora, vários. De todos os tamanhos e cores,nadando juntos, em harmonia’’.Sorriu confortavelmente pela primeira vez. Levemente embriagado de carinho e vinho, puxou seu amor e o beijou. ‘’Te amo’’, e era verdade.

Saiu explorando o lugar. Tudo muito parecido consigo. Um encontro, pela primeira vez viu-se só com uma dessas pessoas a quem o amado tanto estimava.

‘’ cuide bem dele... ele sofreu muito... não pense em fazer o mesmo’’, e toda a tristeza e incerteza voltaram. Não sentiu raiva. Como poderia? Achou deslumbrante, de extremo afeto tanta preocupação por alguém. Mas tudo estava confuso, não sabia se seria capaz... ouvia as histórias de passados difíceis e temia muito vir ser um deles.

Mais duas, três recomendações e precauções... não ia resistir. De onde vinha tanto medo? Não devia o amor o reconfortar? Insegurança. Desistiu, saiu pra fora, vencido, sentou-se junto ao grupo pronto para, se precisasse, fingir algo que o mantivesse salvo nem que fosse por aquela noite. E as conversas fluíram, o estranhamento não veio. O fingimento não se fez necessário e um esboço de união começou a bombear em seu coração. Mas algo ainda o deixava aflito, o medo de ser o que foi mais terrível na vida de seu amado. Temeu ser capaz de magoá-lo, temeu quem sabe um dia vir a ser um ser tão monstruoso que fosse capaz de causar mal a um homem tão amável.

Mas no exato momento desse pensamento um amigo distraído trombou na mesa, e meio que em câmera lenta todos olharam para um copo perigosamente colocado na beirada. Ele balançou, balançou e caiu. Silêncio... o ruído de centenas de cristais tilintando na noite, agora alegre, e uma ruptura que libertou todas as almas daquele lugar.

Troca de olhares surpresos e muitos risos. A aprovação viera, não apenas a dos amigos, mas consigo próprio. Sentiu-se bem, olhou nos olhos do amado e viu a receptividade que jamais deveria ter tentado encontrar em outro lugar.

A noite seguiu, as garrafas foram se esvaziando, laços se fortificando... e copos vazios que apenas ocupam espaço foram quebrados aos milhares ao redor do mundo.

Por fim, na cama, definitivamente todos os medos desapareceram... e nada mais foi ouvido a não ser respirações aceleradas de paixão.

Eliézer Santos
Enviado por Eliézer Santos em 28/09/2011
Código do texto: T3245471
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