Aflição e terror no avião

Este não é um conto de terrorismo. Não no sentido estrito da palavra. Mas aconteceu de verdade.
Meu cunhado (aquele do texto "Isso é passeio?") estava voltando de uma viagem de São Gabriel da Cachoeira (também já fiz um texto sobre essa cidade) em um avião Búfalo, da FAB. De lá até Manaus são mais de duas horas.

O avião estava cheio. Era gente, bagagem e galinhas, segundo ele.

E vai tudo misturado. Não tem bagageiro, não tem poltrona, não tem onde guardar nada, nem onde se esconder.

A gente fica sentado numa espécie de balanço de tiras de lona, pendurado na fuselagem, viajando de lado.

É muito esquisito, já viajei num desses. Nossa comida para a viagem ia em sacolas grandes espalhadas pelo chão do fundo do avião.

Vai gente, vai bicho, vai caixote, vai doente, vai tudo, inclusive meu cunhado.

De repente, a sensação...
aumentando...
aumentando...
O suor frio...
O aperto...

Meu cunhado olha na direção do banheiro. Está tudo empilhado na porta. Um mapa gigante obstruia a entrada. Não poderia ser removido de lá. Era para ser entregue a um oficial do exército em Manaus.

Meu cunhado vai à cabine e informa desesperado ao piloto que precisa ir ao banheiro.

- Não vai dar, não senhor, vai ter muito trabalho pra tirar tudo da porta e aquele mapa não pode ser mexido.

- Mas eu tô MUITO apertado!

- Infelizmente o senhor vai ter que se segurar. Não tem ninguém que possa tirar as coisas de lá. Tente aguentar até Manaus.

E meu cunhado voltou pra sua cadeira pendurada, suando.

Então o intestino foi empurrando pra baixo...
O reto empurrando pra cima...
A agonia da caca chegando à saída...
A luta é árdua, UFC da diarréia!
Arghhh... Uhhhh...
O fiofó tentando se trancar...
Mas o bolo fecal meio mole é imbatível, quer a todo custo ser livre! LIVREEEE!

- ME SOOOLTAAAAAA! grita o cocô, massa implacável.
- Nãããããããoooo... resiste meu cunhado, espremido com todas as forças aéreas que podia. Mas era um grito silencioso.

Meu cunhado olha pros lados e cai em desespero: senhoras, senhores, crianças, galinhas, todos seres inocentes, seriam vítimas brevemente de um atentado terrorista aéreo à base de arma química jamais vista.

Ou, meu cunhado seria um kamikaze?

Finalmente, a natureza venceu! De nada valeu a Força Aérea literal do meu cunhado. Fez na calça de moleton, sentindo a massa mole de diarréia saindo dos limites do traseiro, escorrendo pelas pernas, melecando a calça, descendo até os sapatos, entrando pelas meias, como uma gigantesca sanguessuga lhe sugando a honra e injetando vergonha.

"Eeeeeeecaaaaaaa!", você diz, mas, no espaço, NINGUÉM OUVE VOCÊ GRITAR! Você é vítima de um alien asqueiroso, melequento, que saiu feroz do seu... ânus, escorre pelo seu corpo... deixa um rastro quente e fedido... de merda.
 

Tá bom, volta pro texto. E daí?

Daí, que todo mundo começou a se desesperar:

- O que é isso? gritam. Apertam os narizes.

Nunca pensei que um dia iria escrever nariz no plural.

Aham... abanam o rosto, olham uns para os outros: Quem foi? Olhares rígidos e desconfiados se entrecruzam.

Os passageiros olham desesperados para cima, esperam e suplicam para que caiam as máscaras de oxigênio...

Mas não há máscaras.

Não há como escapar do fedor.

Você está a mais de 3 mil metros de altura.

Não há cidades próximas para pouso.

Não há serviço de bordo.

Não há um "bom-ar" pra disfarçar o cheiro, nem um fósforo, se quer.

Você está sobrevoando uma selvaaaaaa!

E com alguém CAGADO do seu lado!

E num espaço claustrofóbico de 24 metros, sem ter por onde sair o mau cheiro! Não, meu amigo... NÃO HÁ COMO FUGIR!

Meu cunhado disfarça, imita os outros passageiros, abana o nariz, faz cara de indignação. Ainda falta mais de uma hora até Manaus...

Até que alguém grita:
- SÃO AS GALINHAS!

- É, só pode ser! responde meu cunhado - essas galinhas nojentas! Quem traz galinhas para viajar?

Novamente olhares rígidos se entrecruzam, procuram um culpado, TEM QUE HAVER UM!

O dono das galinhas se encolhe, acuado, rubro... não se manifesta e torce para ninguém descobrir que ele é o dono das galinhas. Olha num desespero silencioso à caça de um pára-quedas, mas não há!

"Meu Deus! Estou perdido! Vão me jogar daqui de cima!" - Pensa angustiado o pobre inocente dono das galinhas.

- Pode também ser esse doente! Grita um passageiro.

- É, pode ser ele mesmo, não aguentou e fez aí! Disse meu cunhado, muito sério.

"Meu Deus! Estou perdido! Vão me jogar daqui de cima!" - Pensa angustiado o pobre doente.

E o resto da viagem foi de apneias, mau cheiro, olhares furiosos e vontade de jogar as galinhas e o doente mata abaixo.

Chegando em Manaus, todos se apressam em sair daquela nave estragada. Meu cunhado espera todo mundo sair. Por último, sai o piloto, que olha calado seriamente para meu cunhado, apenas balançando a cabeça mencionando um:

- Cagou, né?

Meu cunhado entende e retribui o olhar, e apenas balança um sim com a cabeça, com um silencioso:

- Caguei.

Ele correu para o banheiro do aeroporto da FAB, tirou a calça de moleton, limpou o corpo todo com a jaqueta, jogou a jaqueta e o moleton no cesto, e completamente nu foi até à porta do banheiro e vê a única bolsa que ainda está na esteira de bagagem, rodando sozinha...

Com metade do corpo nu pra fora do banheiro, chama uma moça da limpeza e pede que ela peegue a bolsa e entregue a ele.

Vestiu a roupa e saiu do aeroporto, mas teve tempo de ver um homem andando de fininho, parecendo se esconder de todos, enxotanto disfarçadamente desesperado algumas galinhas que insistiam em correr atrás dele: có-có-có.

Também viu um o homem doente, correndo a passos mancos, seguido por um bando de passageiros enfurecidos:

- Não fui eu! Não fui eu!

E meu cunhado foi pra casa, tranquilo.

Moral da história, como diz um amigo meu: Um homem cagado é um homem aliviado.

Moral da história 2: As galinhas pagaram o pato.

Moral 3: Não viaje doente, a coisa pode piorar.

Moral 4: antes de viajar, tome um diasec.