Os filhos de Francisco




Observai as aves do céu... Serena ordem contemplativa. Não sei se o dia amanhece para cântico dos pássaros ou se seu canto amanhece o dia. O certo é que o sindicato dos músicos celestes ordena que eles, nesta época do ano, observem o horário de verão. Ao despertar do relógio sua cantoria há muito se faz ouvir.

Do meu observatório, no quinto andar, vejo passar os patos... Quem sabe, para a Lagoa dos Patos... Com sua formação em V, onde se movimentam, trocam de liderança, sem que nenhum saia da linha... Andorinhas também voam assim... Formam o que chamo cordão de andorinhas. Por enquanto, as que por aqui avisto, estão em treinamento de horas de voo, para arrasar no verão que se aproxima. Provavelmente, vivem em um ninho em cima do prédio, pois com seus voos desajeitados e rasantes frente à janela deixam a gata em frenesi.

Boa vida, a gata criada em apartamento, preserva o instinto para pequenos voadores: borboleta noturna, gafanhoto e louva-a-deus. Estes, sempre que vejo, procuro salvar, como quem deseja salvar a esperança das florestas verdes.  Como o assunto gira em torno dos alados, a gata não teve a menor chance com o joão-de-barro outro dia. Estava à janela quando, subitamente, o pássaro construtor veio e, com uma bicada, arrancou um tufo de pelos da cabeça dela. Adivinhe quem se assustou com a inversão de caça e caçador?... Verdade! Um casal de joão-de-barro construiu seu ninho no poste em frente. Ali deve ter paina, folha seca macia e pelo branquinho de gata.

Não poderia deixar de falar nos belos sabiás e canários. Ao que parece, assumem as cores da estação. Conforme a ordem do bel canto, se revezam para nos presentear com seu trinado o dia inteiro e parte da noite. Pelo final do inverno, todos os anos, avisto pássaros cinza azulados que, com imaginação fértil, digo serem pássaros azuis. Pois bem. Não é que semana passada, vi o casal no abacateiro, agora com folhas novas. Um deles ainda todo vestido de azul..., mas o outro, já com o papo tingido de amarelo... Há-a! Pensam que me enganam?!...

Há alguns anos a cidade foi invadida por um bando de caturritas. Parentes dos papagaios. Só não sei se falam. Proliferaram-se e tomaram conta de algumas praças. Passam verdinhas, verdinhas, como notas de dólares... Otimistas e fora do alcance da mão! De manhãzinha e ao entardecer consigo vê-las, especialmente nas palmeiras, de onde retiram seu alimento e matéria para construir seus ninhos.

Os filhotes de bem-te-vis, ainda tímidos, ensaiam seu canto, com sílaba forte no bem. BEM-tevi, BEM-tevi... Logo, logo estarão a plenos pulmões: BEEM-TE-VIIIII... BEEM-TE-VIIIII... Ainda bem que sou madrugadora.

Por fim, faltou falar do pica-pau. Não mais os tenho visto na paineira. Talvez porque a velha árvore guerreira tenha sido partida ao meio por um raio. Talvez porque nesta época do ano tenham migrado para bicar outro tipo de vegetação. São grandes, bonitos, predominantemente vermelhos. Barulhentos como o exemplar do desenho animado.

São tão rápidos... tão breves... tão leves... que, embevecida, me esqueço de fotografá-los. Nesta insustentável leveza do ser, como disse Kundera, quisera ter a certeza, que dá a leveza, de pousar pássaro nos ombros de São Francisco!