O DIA QUE DEUS NÃO FOI À IGREJA

Lembro-me com riqueza de detalhes a primeira vez que fui a uma igreja. Menino de 5 anos de idade, entrei lá pelas mãos da minha mãe e de uma tia. A igreja era tão longe de casa que o trajeto pareceu uma romaria, uma peregrinação. Era uma igreja Deus é Amor, com todo o seu regime de chumbo, agravado por estarmos em 1985. O templo era um galpão improvisado, onde alguns anos atrás abrigava um cinema. Alguns anos depois uma loja de materiais para construção.

Chegamos alguns minutos antes de começar o culto. Sentamos em um banco qualquer, aguardando o início da reunião. Eu estava na casa de Deus. Era uma emoção que até então eu não havia experimentado. Na minha ingenuidade era o dia em que eu iria conhecer Deus face a face. Iria, talvez, conversar com ele como se conversa com outra pessoa. Possivelmente entre as minhas prioridades estaria uma cobrança pessoal a Deus por ter levado meu irmão André com um mês de vida.

Parecia que não era exatamente um daqueles cultos em que a igreja ficava cheia. Era uma noite de vacas magras. O pastor, atônito, andava de um lado para outro, chegava-se à porta, como se estivesse esperando alguém chegar, talvez esperando o milagre da multiplicação de fiéis. Nada de começar o culto. A platéia era composta pela minha família e mais outras poucas almas. Sem entender exatamente a lógica do momento, pergunto para minha mãe se o pastor estava esperando Deus chegar para começar a reunião. Minha mãe, para minha decepção, disse apenas que não, sem me oferecer qualquer outro consolo ou explicação metafísica.

Meu mundo desabou. Como assim? Ir à casa de Deus no dia que Deus não estava? Não consegui compor qualquer explicação plausível para amenizar meu sofrimento. Não há em mim qualquer outra lembrança daquele meu primeiro encontro com Deus. Um encontro no qual Ele não foi. Fiquei de mal com Deus durante uma semana. Senti-me abandonado no único lugar onde era certa a sua presença.

Essa foi a primeira vez que Deus se revelou em forma de vazio para mim. Seu silêncio tem sido cada vez mais eloqüente. Confesso que minha relação com Ele já teve seus momentos mais gloriosos. Fui ensinado desde menino a não responder aos pais para não ser castigado por Deus. Aprendi a não roubar os brinquedos dos coleguinhas para não deixar Deus zangado. A imagem de Deus zangado era pior do que a de qualquer bicho-papão para mim, quando menino. Aprendi a não mentir porque se o fizesse estaria me aderindo ao diabo e me afastando de Deus. Deus se apresentou para mim, na infância, como algo a se temer, como o grande castigador.

Mais de duas décadas de sermões me fizeram acreditar em Deus punindo as mulheres por cortarem o cabelo, punindo os homens por jogarem futebol. Aprendi que Deus é justo mas permitia que o rei Salomão tivesse centenas de mulheres e que se o João pulasse a cerca seria excluído do Reino dos Céus. Aprendi que Deus ordenara a Josué tocar a trombeta em Jericó e exterminar todos os seres humanos que encontrasse pela frente. Aprendi que era pecado assistir ao Pica-Pau por ensinar a violência, mas que era sagrado aprender a história de Sansão matando trezentos homens com o queixo de um jumento.

Aquela imagem do menino procurando Deus dentro da imensidão da igreja ainda povoa o meu imaginário. Confesso que até hoje procuro Deus. Talvez não mais dentro de uma igreja ou aprisionado a uma religião. O Deus que invoco não patrocina genocídios, não é contraditório e não me aterroriza com castigos eternos. Olhando para o menino de 5 anos de idade, desconfio que o Deus que não foi à igreja aquele dia, foi superado, no meu coração, por um Deus capaz de amar a todos os seres humanos, sem qualquer eleição.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 03/10/2011
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