UM LINDO VESTIDO AMARELO

UM LINDO VESTIDO AMARELO

Quando ingressei para o quadro de funcionários da Goodyear, estávamos na década de 60 e recordo bem ter me arrependido amargamente por deixar a pequena empresa de transportes em que anteriormente trabalhava, na rua Ubaldino do Amaral, onde eu tinha autonomia e tomava decisões na ausência do meu chefe, o Sr. Roberto, que era um verdadeiro gentleman, ao contrário do meu novo chefe, Sr. Armando Osmo, um neurótico de guerra, que nos chamava aos gritos, o tempo todo, mesmo que estivéssemos do outro lado do imenso salão no qual trabalhávamos - apenas os chefes tinham suas salas particulares ao redor desse salão, que eram chamadas de pastelaria, envidraçadas e arcaicas - era um inferno - e assim, descobri que para ganhar mais, por vezes perdemos a tranqüilidade.

Eu almoçava na casa de minhas tias, Antonieta e Joana, na rua Catumby, paralela à rua dos Prazeres, bem em frente ao SESI, por dentro do qual eu atravessava todos os dias. Alguns dos meus amigos moravam na Vila Maria Zélia e nós costumávamos nos encontrar nas festas de sua comunidade e essa era a parte boa de tudo, que deixou saudade!

Contava-se a boca pequena, que a japonesa, minha antecessora, ficara de tal forma esconjurada desse chefe, que no dia em que resolveu pedir demissão, levou à forra as injúrias recebidas. Chegou bem cedo e avisou aos porteiros que tratara um serviço de buffet, pois era o dia do aniversário do Sr. Osmo - tinha um cargo abaixo de Mr. Gibson, Presidente da Cia - e assim, os garçons chegaram para servir os comes e bebes que ela encomendou.

Pouco antes da chegada do gritão, ela já estava paramentada de odalisca e com seus sete véus, subiu numa das mesas, que ficava no lado oposto da entrada principal, e quando ele adentrou ao salão, lá de longe, ela gritou, bem ao estilo do próprio: "Seu Osmo, estou me demitindo! Está me ouvindo, ou preciso gritar mais alto? Bem lá vai: Vou embora, entendeu? Estou convidando a todos para comemorar".

Ela começou então a dançar sobre a mesa - tinha até música ambiente, pasmem - e os garçons entraram com as bandejas e serviram doces, salgados e champanhe a todos os presentes.

Boquiaberto, ele não teve nenhuma reação, apenas se limitou a observar o circo.

Eu não vi, pois quando cheguei ela já havia partido, mas pude sentir que o gosto da desforra estava no brilho dos olhos de todos que contavam essa história e que já haviam se deparado com a fera.

Por minha vez, atada ao compromisso de namoro com o inveterado machista que seria meu marido, tive uma passagem bem hilariante por essa Cia de pneus.

Ao lado do grande prédio, havia um longo corredor a céu aberto, que nos conduzia aos escritórios, lá no fundo, e era também por onde saíamos ao final do expediente; por vezes, esse meu namorado vinha me buscar com seu fusca vermelho, e, ciumento e castrador, me dominava completamente, quer fosse criticando o meu modo de vestir, ou falar, podando as minhas amizades e enfim, ao seu lado, eu me despersonalizava, era uma outra Mírian, confundindo até amor com medo, e, como era de se esperar, quando ele não estava presente, eu agia de forma mais liberal e usava roupas até que moderninhas, saias justas e curtas, blusas levemente decotadas, brincos chamativos e sapatos de salto alto e elegantes.

Assim foi, que um dia, ao chegar no corredor de saída, eu vi a ponta do fusca vermelho estacionado à porta da Empresa e me arrepiei, imaginando a cena que ele faria ao me ver com aquele mini-vestido amarelo canário de fustão, de abotoamento duplo, com lindas correntinhas prendendo os botões, como galões oficiais, que deixava em evidência minhas bem torneadas pernas. Girei nos saltos das minhas sandálias brancas e retornei correndo ao escritório, onde já a equipe de limpeza estava a postos. Olhei para as mulheres da limpeza e não tive dúvidas. Me aproximei de uma delas, que tinha mais ou menos a minha estatura e perguntei se ela não queria trocar sua roupa pela minha, ficando o vestido de presente para ela. A mulher olhou encantada para o meu vestido, e eu, desconsolada, para sua calça surrada e o blusão de um cinza completamente desbotado, com uma enorme mancha de café com leite bem na frente. No toillete trocamos de roupa e eu saí vestida com aquela roupa para a rua, e qual não foi minha surpresa, ao constatar que o fusca era vermelho sim, mas não o do meu namorado.

Quase morri, pois não me restava outra alternativa, senão subir a pé a rua Catumby até a av. Celso Garcia para tomar minha condução, e foi quase que me arrastando que fiz esse trajeto, pois parecia que todos olhavam para mim - parecia não, olhavam mesmo e até alguns conhecidos e colegas me olhavam curiosamente, pois eu sempre estava impecavelmente vestida. A roupa fedia de café com leite e suor, numa mistura que me fez embrulhar o estomago.

Paguei um mico sentido por me deixar dominar pelo tirano e ainda tornar a relação desconfortável, pois eu me sentia mal, por estar vivendo uma dupla personalidade, forçada pelas circunstâncias e nunca me perdoarei por ter levado adiante esse compromisso baseado em falsidade e assim sempre foi, pois nada me era permitido fazer, mas eu fazia assim mesmo, às escondidas e meus filhos também aprenderam a mentir para o pai, se quisessemos viver em paz. Mas hoje, eu os aconselho de forma a se imporem como homens que são e fazerem valer sua opinião, doa a quem doer, jamais escondendo atitudes que são próprias do seu caráter. Depois que nos separamos, me tornei uma mulher independente, como eu sempre quis ser e hoje, finalmente, ele me respeita e por não ter amigos nem vida social, vive em nossa casa, e quando quer ainda dominar qualquer situação, o colocamos em seu devido lugar, respeitando lógicamente o seu modo de ser, fazendo com que ele também nos respeite e ouça. Era assim que deveria ter sido desde o princípio, mas eu achava, que pelos 15 anos de namoro, ele tinha um compromisso de honra comigo e mesmo que o casamento durasse uma semana, eu queria que ele se casasse comigo, e depois, aguentei as pontas, para não ficar mal perante todos que eu namorara tanto tempo e não dera certo e quando nasceram meus filhos, eu tive medo que ele me deixasse com os três meninos pequenos para olhar, ou que tentasse levá-los de mim. O medo norteava a minha vida. Medo que não devemos ter jamais, se estivermos com a razão. Esse medo talvez tenha me impedido de conhecer alguém que realmente fosse o companheiro ideal para mim. O tempo passou rápido e não voltará atrás. Agora é seguir em frente!

Quando uma vez, após uma terrível cena de ciúme, eu fui chorar pra minha irmã Marília, nos escritórios da Bosch, à rua Cesário Galeno, no Tatuapé, onde ela era secretária, dizendo que ele iria me deixar, ela olhou para mim e disse com muita raiva: "Ótimo! Já vai tarde... Se esse cara fosse meu marido, os chifres dele não passavam na porta"

Bem, ponto final! Hoje é hoje e a história agora é outra. Sou feliz e realizada com minha carreira.

Sempre tive curiosidade de saber: Será que aquela mulher ficou bonita com o meu vestido? Jamais perguntei!

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MWarttusch
Enviado por MWarttusch em 05/10/2011
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