O que esperar

(Publicada no Jornal O Popular em 2007)

Tenho um amigo, velho comerciante, contando ainda cheio de vida seus oitenta e cinco anos. Ele continua em plena atividade, conduzindo seus negócios e atendendo pessoalmente sua fiel clientela. Bom para ele que continua fazendo o que gosta apesar da idade avançada. Bom para a sociedade que continua recebendo seus serviços de íntegro homem de negócios, bom também para mim que olho para ele e renovo minha esperança de longevidade. Reflito às vezes: o que se espera da vida depois que se conquistou tudo? De que ilusões alimenta-se um coração quase centenário? Às vezes, divago horas sobre coisas assim. E sei que não estou só: alguém já cantou “Ouro de Tolo”.

É tão diferente o mundo interior de cada um! Esse universo particular que todos nós construímos. Ocorre de pessoas que vivem toda uma vida sob o mesmo teto não conseguirem entenderem-se completamente. Vez ou outra, uma surpreende-se com um gesto, uma palavra, uma atitude da outra pessoa. E cada um constrói para si enormes muralhas de pedras por detrás das quais escondem suas próprias mazelas, seus medos e rancores, suas antipatias e ojerizas. Seu espírito torna-se um vasto campo coberto com os entulhos dos velhos castelos desmoronados, de suas muitas frustrações, lembrando quintais abandonados onde cresce o mato em meio a escombros propiciando a proliferação de animais peçonhentos.

Outros há que não constroem muralhas mas levam sua vida construindo pontes e jardins, sua alma torna-se um lugar aprazível, um campo ensolarado onde florescem as muitas sementes que andou semeando.

Daí a gente encontrar pessoas felizes, mesmo no meio de todas as limitações provenientes do acúmulo de primaveras. Distribuindo as dádivas da sabedoria só conquistada pela vivência. Sua presença ilumina os ambientes, sua amizade é concorrida e sua companhia disputada pelos filhos e netos. Têm sempre um sorriso motivador, uma palavra de esperança, um gesto de compreensão. Ou então nos deparamos com pessoas amargas, cujos cabelos brancos não exprimem sabedoria. Estão sempre lamuriando e queixando-se das outras pessoas. Magoam com palavras e gestos, ou com seu silêncio, os que as rodeiam. Machucam com sua rabugice, principalmente aqueles que mais as amam. Não plantam carinho. Não cultivam esperanças. Sua presença, muitas vezes nos deprime, o que torna a solidão sua principal companhia. Esperam que suas lágrimas e seu rosto abatido conquiste para si simpatia. Ledo engano!

Deveríamos passar a vida inteira nos preparando para o momento de ser feliz? Quem sabe assim a velhice viesse a se tornar o tempo de nossa alegria, depois de navegar por tantos mares tempestuosos, cruzar tantos desertos, vencer pântanos tenebrosos, chegar a esse estado de satisfação pessoal, de quem sabe que fez o melhor que pode. Quando o corpo e o espírito não almejam vôos tão altos, quando coisas pequenas transformam-se em grandes esperanças e aos oitenta e cinco anos, dizer com convicção:

_Em dois mil e quatorze verei novamente a Copa do Mundo em meu país. Faltam apenas sete anos. Terei então noventa e dois. Não é maravilhoso?

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 06/10/2011
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