Quem precisa da felicidade?

Outro dia, folheando um número antigo da revista Época, deparei-me com uma entrevista do escritor Paulo Coelho na qual perguntam para ele: Quando é que você foi mais feliz? Ao que ele respondeu: Nunca. Felicidade não me interessa! A resposta chocou-me, confesso. Mas, como tudo o que choca nos leva a pensar, acabei compreendendo a mensagem. Parece que as pessoas correm tanto atrás da felicidade que acabam pisoteando-a.

Por acaso lembrei-me de que a essa altura da vida ainda espero o dia em que direi: pronto. Agora sou feliz. E compreendi de repente que esse dia simplesmente não chegará. Pensa que fiquei triste? Que nada. Acho que também não preciso ficar correndo atrás dessa tal felicidade.

Depois dessas minhas reflexões, noite dessas, perdi o sono. Minha mulher dormia suavemente o sono dos justos. Não me exaspero quando a insônia me pega, sempre fiz dela uma aliada. Fico rememorando acontecimentos, analisando-os demoradamente, detalhadamente. Naquela noite dei uma volta pelo nosso passado. Nosso primeiro ano de vida conjugal.

Tínhamos um vizinho com a alcunha de Paraíba. Baixote, bigode espesso, sorriso largo esbanjando a simpatia comum dos nordestinos. Tinha um arremedo de mercearia numa esquina de nossa rua. Paraíba trabalhava de pedreiro e o seu sogro é quem tomava conta do pequeno comércio, muito surdo, com uma das hastes dos óculos mal encavalada sobre aquele aparelho de surdez absoleto, castigando-lhe inutilmente a avantajada orelha octogenária (dizem que a orelha humana nunca pára de crescer. Será verdade?). O velhinho também era pura simpatia, com seu sotaque carregado. Lembro-me de como minha jovem esposa se divertia vendo-o dizer “cibola”. A gente perguntava: o senhor tem fósforos? Ele respondia: Não. A cibola não tenho hoje, só chega amanhã.

Tínhamos acabado de embarcar na maior aventura de nossas vidas. O casamento. Não entráramos sem saber o que estávamos fazendo. Em dois anos e meio de namoro havíamos lido inúmeros livros sobre o assunto, conversado com pessoas, estudado exaustivamente os prós e os contras de um passo tão definitivo, para a nossa cultura cristã. Mas os nossos vinte e poucos anos vividos nos lares paternos, tão bem estruturados, não haviam nos ensinado muito bem como sobreviver longe do antigo ninho. E esse era exatamente o nosso desafio. Estávamos construindo nosso próprio ninho, assim meio desajeitados, mas orgulhosos da situação de senhor e senhora daquela casa. Aliás, casa pequenina de bairro pobre, popular, recém traçado e sem infra estrutura. As casas de alvenaria e sem reboco, pequenos quintais fechados de taquaras, hortas áridas exibiam pés de couve retorcidos e raquíticos. As ruas não tinham meio fio nem calçamento, largas e poentas, lembravam o cenário de um filme de Franco Nero.

Lembro-me que a água encanada era escassa e de má qualidade, havia uma torneira comum em cada esquina onde as famílias disputavam o precioso líquido. Vez ou outra a bomba hidráulica estragava e passávamos dias de seca total. Bem relacionado que eu era com funcionários do posto de gasolina que tinha água sobrando de um poço artesiano, conseguia com eles a caridade de duzentos e cinqüenta litros por semana, que eu buscava de cinco vezes em bomba de cinqüenta litros num carrinho de mão. Era minha tarefa nos sábados pela manhã. Meu Deus! O posto fica a quase dois quilômetros de nossa casa. Ela me ajudava a içar a água para a caixa sobre a laje e tínhamos provisão para a próxima semana.

Trabalhávamos os dois na fábrica, o bairro distante não era ainda assistido por uma linha de ônibus, não tínhamos condução própria. Saíamos antes de o sol nascer e voltávamos depois do sol se pôr. Dividíamos os afazeres domésticos. Sempre gostei de cozinhar. Nos finais de semana passeávamos. Até hoje nunca deixamos de passear de mãos dadas. Visitávamos pessoas amigas e às vezes recebíamos visitas. Naqueles serões noturnos com nossos amigos em nossa casa eu tocava violão e cantava. Ela preparava um café com biscoitos fritos, mas não tinha coragem de servir, ficava me fazendo gestos lá da cozinha até que eu corresse em seu socorro.

Pensando bem. Pra que é que eu preciso da felicidade?

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 06/10/2011
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