alívio

Quarta-feira, 7 de setembro. Eu desço enquanto muitos sobem a estrada. Já meio apertado penso no pé da serra, na lanchonete Arcádia, de ali fazer xixi. Passo a ponte sobre o Rio Santana, olho o lugar — está cheio. Balbúrdia! Sigo...
  Indo pela RJ 125, me lembro da padaria de Japeri, de ali comer o meu tradicional picolé de chocolate e então me aliviar; ou, o contrário (é, nessa ordem). Deliciar um sorvete olhando a vagabundagem desse feriado; triste é ver umas meninas do lugar, prenhes ainda meninas... Chego. Num tem lugar pra parar. Sigo...
  Próximo à Dutra vêm uns carros no sentido contrário, piscam os faróis pra mim. É blitz, deve ser. Lembro de que me esqueci de tirar o bagulho do casaco — presente duma amiga q’eu nem quis usar. Diminuo a velocidade e estico o braço, pego a jaqueta no banco de trás. Um caminhão baú me ultrapassa. Vou atrás meio devagar procurando o troço nos bolsos e o encontro embrulhado num papel alumínio. Jogo pela janela.
  Passamos pelos homens sem sermos abordados — o caminhão baú e eu. Agora, com essa cara branca, cara de coroa respeitável, eles não te param mais — penso sorrindo, eu personagem de mim próprio. Fico puto comigo por dispensar o ilícito que nem queria; mas mais danado mesmo eu fico por me encagaçar dos rapas.
  Ultrapasso o caminhão baú e a vontade de mijar aumenta, quase explo­de. Nervosismo pelos homi ou pelo aperto na bexiga? Imagino o longo trecho que ainda resta galgar, eu no carro, apertado... Naquele trevo onde se adentra na BR 116, ali, nele diminuo e paro pra, finalmente, me aliviar.
  Uma sirene agudiza estridente. Mandado pela PM, a porra do caminhão baú para atrás de mim. Fico constrangido, mas fazer o quê?, de esguicho o mijo brotara abundante e sem guentar jorro tudo, menos as três gotas que vão pra cueca. Recolho o bilau sem o costumeiro arrepio e a sacudidela, mas enfim, ah, que alívio! Eu estava ao lado da porta do carona pra que não vissem o meu pau mole chorar copiosamente.
  Do Gol policial embicado à minha frente saem quatro homens fardados. Dois vêm a mim; dois vão ao caminhão baú. Os caras tinham revólveres prateados nas mãos, junto às pernas. Me interrogam: “Donde tu vem, pra onde tu vai, quê que tu faz aí parado?!”. “Mijo...”, lhes digo, “... vou indo ao Rio vindo do Paiol Velho”, completo. “Ué, tu vai ou tu vem?!” “Na sequência inversa que o senhor me perguntou: estou, vou, venho.” (?...)
  Um pede meus documentos, mas antes me manda levantar a camisa. “Discosta pro veículo, pernas abertas!” Fechando a braguilha dou dois passos de ré e recosto na Uno. O outro diz “Difrenti pro veículo!” “‘Discosta’ ou ‘difrenti’?”, pergunto. Viro e um põe meus braços sobre a capota, chuta meu pé pra q’eu abra as pernas e que o corpo se afaste do carro; abrutalhando apalpa os bolsos na minha bunda e os respingados da frente; entre as pernas, os tornozelos. O outro inquire “Quê que cê faz escoltando o caminhão baú” e bababá... “Cadê os documentos?!” Vou à porta do motorista seguido pelo brutamontes e pego a mochila. Nervoso, o sujeito aponta a arma pra mim. Entrego os documentos que são repassados ao que parece ser o chefe. Enquanto aquele meganha vasculha o carro, o outro me enche de perguntas. Vai à viatura e passa um rádio pra num sei onde e dá o número 03104192..., que desconfiei ser o da minha RG. Soletra as letras da placa do carro e seus algarismos. Aguarda. Do outro lado, ruídos, vozes, ecos. Minutos depois, “Oquei, câmbio final”.
  Incrédulo, o homem anda em minha direção, vem olhando pra mim. Para e me olha, agora bem de perto olha bem nos meus olhos. Me olhando nos olhos parece querer descobrir qualquer coisa, qualquer coisa q’eu também quereria saber, nem sei o quê, se eu próprio me olhasse nos olhos naquele instante; olha meu piscar eu pisco em câmara lenta com olhos avermelha­dos da bexiga aliviada. Devolve meus documentos, e ainda me olhando nos olhos, titubeante diz: “Senhor... Germino, segue caminho”.
  O caminhão baú fica. Sigo...

 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 07/10/2011
Reeditado em 07/10/2011
Código do texto: T3263145
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