Talvez um dia as Coisas Mudem.

Todo dia a mesma pergunta:

“E o processo, vai demorar?”.

E a mesma resposta:

“Sem previsões, pode acabar hoje, amanhã, ou daqui a alguns anos, ou talvez nem acabe enquanto durar nossas vidas, vá saber?!.” A parte que me cabe faço de prontidão, mas quando a questão envolve outras pessoas, no caso o Judiciário, o funcionalismo público, a burocracia protelatória, a má-fé, a corrupção, a prevaricação e o marasmo, as coisas mudam de formas ou talvez nunca mudam!

Toda tola burocracia é um entrave que mata muitas pessoas de tempos em tempos. Aquele mandado de segurança visando recebimento de medicamentos para senhora com câncer, e enquanto o processo demora a senhora falece. Isso tem aos montes, muitas situações análogas acontecendo diariamente por este mundo sem lei.

Enquanto teço estas considerações a maldita cachorra late sem parar, quase estourando meus nervos, uma senhora toca o interfone querendo que eu analise os “papeis do médico”, sendo que, pelo amor de Deus, não estou em horário de trabalho. E insiste, e a cadela late feito louca, me deixando com a veia do lado direito da fronte ululando.

Tem um filho com desenvolvimento mental incompleto e que fora internado na Fundação Casa por suposto tráfico de drogas. Tem 17 anos e aparenta uma criança de sete anos. Mal consegue expressar uma frase completa, e tem “carne esponjosa no nariz”, uma das poucas coisas que disse com plausibilidade. E o juiz, e eu, e o escrivão, víamos e ouvíamos tudo, cada um certamente traçando suas decisões mentais. O escrivão, que certamente não era o Isaias Caminha (Memórias do Escrivão Isaias Caminha – Lima Barreto), apenas colhia as informações. Gostei daquele escrivão. Provavelmente escreve suas coisas por fora, em casa, algumas memórias, pois sabia construir frases e até criava e dava coerência nos termos e depoimentos, o que é raro hoje em dia, já que a maioria dos escrivães são apenas gravadores e registrados das palavras do juiz, do modo como ele dita, literalmente. São autômatos e isso prejudica sobremaneira o desenrolar dos atos e o vislumbre da verdade, cabendo ao advogado raposa decifrar o que se passou em tais depoimentos e termos de audiência. Digo raposa porque um rábula certamente deixa muita coisa passar nos códigos e cifras das palavras, que as têm, como bem poetizou nosso maior: Carlos Drummond de Andrade.

A verdade das coisas quase sempre é um ponto de vista do julgador, digo isso judicialmente e pode-se também aplicar na realidade do dia-a-dia, pois quem emite a melhor posição sobre qualquer fato tem o voto da maioria. É odioso, porém ocorre corriqueiramente.

A advocacia nunca no Brasil esteve tão desprivilegiada, sem o amparo de quaisquer dos poderes, vive a duras penas, sob a ditadura dos burocratas e todos aqueles que, dentro do sistema, odeiam e querem acabar com a classe. Dentro da própria Ordem dos Advogados do Brasil existem aqueles que trabalham contra, motivados por interesses esparsos, políticos, favores não pagos, ganância. Raros são aqueles causídicos que amam a profissão e a defendem com tintas de sangue, com ética e profissionalismo.

Sou um desses, li Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Nelson Hungria, Evandro Lins e Silva, não ficarei aqui citando nomes, tive aula com Antonio Carlos da Ponte, Carlos Ramos Stropa, Carlos Antonio de Almeida Cova (meu melhor professor!), José Carlos Blat, Carlos Delmonte (in memorian), porém confesso que sou um desanimado com a advocacia e com a humanidade de uma maneira geral.

Num aparte aqui, a morte de Carlos Delmonte, gênio da medicina legal e médico legista do caso Celso Daniel, até hoje não foi solucionada?

Não confio em mais ninguém. Por vezes desconfio de mim mesmo.

Pra que tanto imposto?

Maiores e em maior número do que países maiores que nós, em todos os sentidos!

Qual o porquê de tanta corrupção? Seria falta de educação na infância, na família, na escola, a TV? Gente, por que tanta ganância? O brasileiro, imagino, quer prazer demais e pensar de menos, por isso quer muito, muito dinheiro pra ostentar, luxuriar, usufruir do bom e do melhor, bens, e ainda mostrá-los para seus próximos: estou bem na foto!

Sérgio Buarque de Hollanda cunhou a frase que refere o brasileiro como “homem cordial”; já cunho aqui que o brasileiro é homem ganancioso, e que adora se regozijar disso. O funcionário fantasma se orgulha disso e até comenta com o peito inflado, batendo a palma da mão no balcão do boteco, que tem “moral”, e que ganha sem trabalhar. O brasileiro quer ser americano, quer mostrar orgulho daquilo que talvez sequer nem saiba...

Talvez um dia as coisas mudem...

SAvok OnAitsirk, 10.10.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 11/10/2011
Código do texto: T3270012
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