Tomates e o curso de especialização

Confesso que estava alguns anos fora da universidade. O excesso de atividades, aulas, trabalhos, leituras... tudo isso faz com que um professor nesse país varonil fique ausente, contra a vontade, do meio acadêmico.

Chegou a hora de voltar. O ano: 1997 e fui fazer uma pós-graduação em História Social na Universidade do Estado de Santa Catarina – a UDESC – isso porque já morava em Florianópolis.

O curso foi extraordinário! Tive, felizmente, os mais brilhantes professores, mais gabaritados para o exercício da árdua função de pesquisadores. Fiquei muito feliz em acolher uma professora da minha antiga USP, a Dra. Circe Bittencourt, que me olhava com um sorriso maroto quando os alunos se atrasavam e reclamavam do trânsito caótico da cidade. Que os meus colegas me perdoem, mas não é plausível se reclamar de trânsito perto de qualquer paulistano, que parece uma piada bem fora de propósito...

Fui aluna do Dr. Luiz Felipe Falcão, que antes havia sido meu colega de sala de aula. De uma profunda excelência no exercício da profissão, intelectual de primeira, tínhamos um convívio saudável, o que me dava uma certa de liberdade de diálogo além das discussões pautadas na produção do conhecimento histórico.

E lá pelas tantas, tive aulas com o Felipe num sábado pela manhã.

Na ocasião, além de ministrar aulas no mais renomado colégio da elite catarinense, eu também tinha a honra de lecionar em dois pré-vestibulares. Em suma: o meu tempo era por demais reduzido para viver, digamos, humanamente, com as minhas saudades e respeito ao passado.

E, naquela manhã de sábado, na hora do café, resolvi ir literalmente correndo até a feira para comprar tomates.

Voltei suando para a sala de aula, munida de um saco de tomates bem vermelhos, aqueles próprios para molho.

- “Felipe, eu aproveitei o intervalo para ir comprar tomates. É prá pizza de hoje à noite”.

- “Mas, Vera, você saiu de São Paulo há tanto tempo e ainda come pizza aos sábados? A pergunta foi elaborada com uma certa surpresa e uma sonora interrogação.

- “Felipe, mas é claro!!!!!! Imagina se paulista vive sem pizza aos sábados????? E tem mais: assim que terminar a aula eu vou correndo fazer o molho, que é prá dar tempo de curtir”.

Com todo o respeito pelo conhecimento e pela produção historiográfica do Felipe, mas em matéria de entendimento de coração de paulista, a nota não é muito alta não.

A pizza no sábado à noite tem gosto de ternura sem fim.

Tem um rosto próprio, que modela a identidade de paulistano com graça e orgulho. Tem aquele sabor de abraço e de sorriso por uma longa história para contar. E contar sempre. Tem gosto da trajetória dos imigrantes italianos, agitados e falantes, com tantos sonhos quentes e incertos.

Tem gosto de espera dos parentes que disseram que viriam, mesmo depois de uma longa ausência. E as novidades soam fortes e vibrantes, encantadoras, enquanto o seu fumegar invade musicalmente os sentidos. Traz a presença dos amigos verdadeiros que, mesmo poucos, têm o dom do entendimento que se cristaliza ao redor daquela mesa com toalhas verdes ou vermelhas, trançadas pelo branco.

Pizza é a essência do encontro, dos sentimentos plenos. Traz o amor ao passado, o reconciliar com o que não é mais. Traz intensa luz no presente e a certeza de que o tempo que ainda não veio vai trazer outros amigos, novas conversas, beijos e promessas de mais vida com a certeza de que o abraço, o sorriso, o companheirismo, a amizade profunda e o amor verdadeiro são valores perenes, sobretudo ao redor da filosófica pizza na casa de paulista.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 11/10/2011
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