O presente da nova vida

“Cuide do seu espaço e de si mesma” escreveu a irmã no cartão que seguiu junto do presente para a nova casa. Enquanto abria a caixa, tomando o cuidado para não rasgar o papel que a envolvia, pensava em como a partir daquele momento cuidar de si depois de tantos anos cuidando dos outros. O presente parecia ter sido embalado com muito cuidado. Papel de seda, fitas e um adesivo brilhante. O coração pulsava como o de uma criança curiosa prestes a descobrir o que acabara de ganhar.

Era um porta-retrato. Nada demais. A surpresa que a irmã preparara estava na foto que tivera a intenção proposital de fazê-la parar por alguns instantes. Era sua imagem, apenas seu rosto feliz. Lembrara do dia em que foi tirada. Embora de coração partido estava em busca de algo novo, que fizesse valer a pena cada dor sentida. A irmã não escolhera a foto ao acaso. Aquela imagem retratava seu novo caminho. Sozinha a partir daquele momento teria que se permitir amar, ser amada, se conhecer e aprender um jeito diferente de enxergar a vida.

O pequeno apartamento parecia grande demais para suas intenções ainda limitadas. No momento era fazer o que precisava ser feito. Sair às seis da manhã e retornar às dezoito. Reduzir as compras para não ter que jogar nada fora. Tomar café solúvel. Não deixar a janela aberta porque pode chover. Limpar a casa nos fins de semana. Jogar o lixo fora. Secar o uniforme atrás da geladeira nos dias chuvosos. Aprender a trocar lâmpada e o botijão de gás.

Na rotina aprenderia a cuidar de si mesma? Era cedo para saber se haveria esse tempo. Era mais fácil quando era apenas coadjuvante. Agora, atriz principal de sua vida, tinha medo do palco, do aplauso e da vaia. Era tão mais fácil ficar na plateia incentivando seus amores a voarem enquanto ela avistava tudo do chão, do seu lugar seguro. Agora a vida lhe cobrava o mesmo. Voe, faça por merecer estar aqui.

Assim, vista de tão de perto sua imagem ainda lhe causava insegurança. Fácil administrar a casa, difícil aquietar o coração e esperar o tempo necessário para arrumá-lo novamente. Não ousava, ainda, perguntar-lhe o porquê de tantas mudanças repentinas. Se saberia reencontrar-se em algum momento e se a dor demoraria a passar. Melhor não saber.

Enquanto isso, ocupava-se em pendurar quadros, escolher a mobília e um bichinho de estimação. O porta-retrato tratou de deixar no centro de tudo, onde poderia se ver de vez em quando e não perder de vista aquele sorriso que um dia voltaria a ser seu.