CAPOEIRA... BRASILEIRA ?!

CAPOEIRA... BRASILEIRA ?!

"A Capoeira, filha da Terra, está

sendo esmagada de pé!"

mestre NATANAEL (SP, 1975?)

"Ai, meu Deus, o que é que eu faço

para viver nesse Mundo...

se ando limpo, sou malandro;

se ando sujo, vagabundo"!

(ladainha tradicional / DP)

Sou de um tempo em que cada aluno (os mais interessados, no caso) fazia seu próprio berimbau, ou tinha um, pelo menos. Com exceção dos famosos "berimbaus da Bahia", multi-coloridos e facilmente reconhecidos, praticamente não se usava côr nos mesmos, nem sequer nas cabaças. Para a vêrga, "pau", o "beriba", a maioria usava sebo de boi -- ou "parafina", na verdade "as costas" de uma vela comum -- a fim de alisar a madeira nua. Quem tinha "grana" comprava verniz industrial, "laca", usado principalmente nos lados da cabaça. Esse verniz no "beriba" não resistia muito tempo, "quebrava", ficava fosco, quase sempre devido ao suor das mãos e pela ação constante de armar/desarmar o instrumento "feito de uma corda só, que toca a Morte em tom maior", conforme a ladainha de antigas eras. Colher de sopa para limpar a cabaça e cacos de vidro (para "lixar" a verga) eram "instrumentos" indispensáveis.

Os tempos mudaram... em pouco tempo, aliás, em menos de 30 anos a Capoeira de origem (?!) africana -- ou, como favor, DE RAÍZES africanas -- já admite graduados, professores e até mestres que não sabem sequer "afinar" o instrumento... quanto mais construí-lo. (Assisti estupefato um famoso velho mestre aqui de Belém "montar" o berimbau sentado numa cadeira e pisando na "barriga" do mesmo... e olha que o "troço" era DE BAMBU, taquara ordinária.) Essa afinação depende da sensibilidade do sujeito, a cabaça tem um tom ideal e o arame também. Não era incomum ver-se um mestre DE RARO SABER -- hoje o têrmo virou motivo de chacota, premiando (?!) preguiçosos e oportunistas sem DEDICAÇÃO alguma à Capoeira -- OUVINDO O ARAME, após armar o berimbau, para afrouxá-lo em seguida, se estivesse retesado demais. Por vezes, bastava 1 ou 2 batidinhas no chão com a extremidade do "beriba". A cabaça também tem sua altura exata... para cima fica com o som metálico, agudo; se descer demais, o som "engrossa", treme, fica "ôco", sem energia.

A Capoeira moderna "modernizou-se", tem festivais de pulos e cambalhotas, subdivisões, graduação infantil -- no antigo "jôgo de luta e morte" o menino, por melhor que fosse, permanecia "lá atrás" até que crescesse -- e tem mestres "de todo tipo", aspirantes (?!), EFETIVOS (porque?!, êle vem com um substituto?), "mestres de honra" (e até sem ela!), mestrandos, grãos-mestres, "mestríssimos" e toda uma DESVALORIZAÇÃO equivocada e mal-intencionada do grau maior (e ÚNICO) que, enquanto FOLCLORE que ela foi e é, ela um dia possuíu.

Não há mais volta nessa deteriorização, os que nela entram vão sendo DESVIRTUADOS cada vez mais dos valores maiores que a CONSTRUÍRAM (e a mantiveram íntegra) até meados dos anos 80 do século passado. Uma politicagem nefasta, uma confederação inepta, federações preocupadas apenas com quantidade e direcionadas a Grupos ou "estilos" de prática produziram esse "mar de enganos" em que soçobra a ex-Capoeira vinda da África... com 12, 15 ou 18 golpes/movimentos.

Li revista de 1987/88 que exibia orgulhosa MAIS DE 20 TIPOS de aús... o regulamento da CBC em seus primeiros dias (set./1992?) trazia 70 ou 74 "movimentos", dos quais os tais velhos mestres "de raro saber" -- titulados dessa forma por ela mesma -- não conheciam nem 15. E agora serão quantos... 90, cem, 120 "golpes"... o que estão todos a fazer com essa Arte, essa dança-luta? E se outras Lutas estivessem seguindo o mesmo "caminho", o que estaríamos vendo hoje no Karatê, no Judô, no Boxe? Mas, ainda resta uma esperança... vi recentemente fotos de mestre LUA RASTA (entre outros mais) na Bahia, uma vida inteira dedicada à Capoeira, àquela Capoeira que conheci nos anos 70, atualmente renegada até na sua essência, na AFRICANIDADE, na negritude, para se tornar... "brasileira"! As fotos não mentem, são prova viva do NEGRO ANGOLA, do esguio CONGO, do tradicional BENGUELA, na mais do que tricentenária Bahia, tocando e cantando juntos suas RAÍZES, sua ancestralidade, seu Passado de lutas e glórias, apesar dos pesares e das tristezas, num país que nega a esses Mestres uma reles aposentadoria.

Hoje a Capoeira (e não apenas o praticante dela) tem Religião, retira de suas rodas o atabaque trazido nos "tumbeiros" -- porque leva ao transe (?!) demoníaco quem estiver na roda... onde foi que li/ouvi essa "cantiga" repressora? -- e jovens mestres dela, antes com profissões diversas, usam após o nome, nos seus emails, o adjetivo EVANGÉLICO. E quando eram católicos, porque NÃO SE EXIBIAM como tal? Que vaidade imbecil é essa, quando a Bíblia ou Deus lhes exigiu gritar aos 4 ventos que (só agora?) têm uma religião? E, enquanto ensinadores de Capoeira, estão a influenciar alunos para mudarem sua crenças... aqui em Belém um desses "fanáticos da fé" só aceita alunos se abraçarem sua nova crença, havendo pais que retiram seus filhos das aulas, quando sabem que o professor é católico. Além de acrescentarem um bocado de bobagens à Capoeira, os instrutores atuais dela também se prestam para ensinar o que não praticam... Religião.

Sou de um tempo em que religião não se prestava a vaidades, exibicionismos, a produzir sucesso pessoal, prosperidade, etc... e em cada casa havia um pequeno altar onde, LONGE DE TODOS, a Família conversava com Deus, agradecia muito, pedia pouco. O mandamento maior de AMOR AO PRÓXIMO nos impedia de detestar quem quer que fosse, apenas porque tinha outra crença. Amor ao próximo, amor à Capoeira, amor à Vida... eis o que provam as fotos de mestre LUA RASTA, juntadas no álbum virtual http://professorleiteiro.blogspot.com/ como merecida homenagem de um aluno ao seu único Mestre, Mestre de real e raro saber, Mestre que é mestre mesmo!

"NATO" AZEVEDO (poeta e escritor)

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