Ventura vai caminhando alegremente, assobiando uma canção e, disfarçadamente, como a evitar os transeuntes, ensaia passinhos de dança.
Hoje é segunda-feira, um dia chato por excelência, mas, nesse instante, não tem a menor importância. Ele é vascaino e o seu time ganhou!
Não vê a hora de chegar ao escritório e, dando uma de indiferente, esticar uma olhadinha significativa "naqueles caras, você sabe quem, não?"
Vai lampeiro, o Ventura!
No trajeto, desvia de um "moto-boy" e ainda lhe dá um adeuzinho. Passa embaixo de uma escada sem nenhum receio e espanta o gato preto que lhe cruzou o caminho. Assobia pra morena que passa, dengosa e toda cheirosa, que sorrí da gracinha que ouve.
Desdenha do azar e para exatamente sobre um bueiro em Copacabana, não dá bola pro sinal vermelho e sai driblando os carros , rindo das imprecações que lhe batem às costas.
Vai lampeiro, o Ventura!
Cruza o acesso à favela, parando no meio do caminho para olhar lá pro alto do morro. Alvo perfeito para uma bala "perdida" e ele, nem aí!
Pula para a rua, contornando os carros que estão estacionados sobre a calçada, ignorando o vento provocado pelos veículos que lhe roçam a pele e desmancham seu caprichado penteado - "não tem importância".
Volta à calçada e escapa, por pouco, do padeiro-ciclista que vem à toda, com aquele monte de bisnagas apontando pra frente, como lanças de cavaleiro medieval.
Vai lampeiro, o Ventura!
Dá uma paradinha no boteco do Antonio e encara uma daquelas empadinhas "acabadas de fazer". Coragem!
Logo adiante, a banca de jornais do Francesco, italiano bom, que o deixa dar uma olhadinha nas notícias. Mas nem o anúncio do ridículo aumento de salário proposto pelo Governo (0,3552%, em 4 parcelas) faz escurecer seu rosto.
Vai lampeiro, o Ventura!
Entra na agência do Bradesco pra tirar um dinheirinho da poupança, porque, hoje, o PF do almoço vai ficar um pouco mais encorpado. Nada de assalto, de tiroteio, de cara no chão.
Beleza! Passa pela farmácia e nem liga; "só se for pra comprar um Viagra e dar uma chinelada na sua Guilhermina logo mais".
Chega, finalmente, ao escritório e sente que seu coração dispara, descompassado como louco, antegozando o sarro iminente.
Não chega a ultrapassar a porta. Cai, fulminado, por um infarto agudo!
Vinha tão lampeiro, o Ventura!
Felicidade demais, dá nisso!