O portuga

            
                     


Chegara de Portugal ainda menino, cheirando a bacalhau desembarcou no porto e por ali ficou durante muito tempo comendo o que lhe davam, ajudando um e outro em pequenas coisas, dormindo debaixo das lonas furadas, acordando respingado pelo choro da noite e se admirando cada vez mais com a beleza das mulatas brasileiras.

 

 

Por onde passava era conhecido como o portuga do bacalhau. 
 

 

Ele não se importava nem um pouco pois o seu pensamento estava amarrado no seu sonho. Viera para o Brasil para enriquecer, e assim seria!
 

 

Aprendeu a fazer de tudo, pelas casas daquela cidade que ele chamava Maravilha; desde pendurar um simples quadro na parede a desentupir canos e esgotos, trocar lâmpadas, limpar tanques, levar os recados das "zinhas" aos senhores, vender frutas ,verduras e miudezas pelas portas e, junto com ele, o seu dinheirinho foi crescendo, ficando escondido dentro de uma caixa que somente ele sabia onde estava guardada.
 

 

Não confiava nem em gente nem em bancos, assim ele dizia quando lhe perguntavam onde guardava o seu dinheiro ao que respondia: _ tá por aí...tá por aí....
 

 

De mudança para outra cidade, seu Francisco estava a alugar um pequeno bar numa rua onde as prostitutas faziam ponto, e a freguesia crescia a olhos vistos.
 

 

Com as suas reservas de anos a fio dando duro, comendo sobras, vestindo roupas puídas que lhe davam, portuga  conseguiu alugar o ponto e a ele se dedicou. No começo vendia apenas cachaça das brabas e pastel frito no óleo reciclado durante um mês. 
 

 

Aos poucos as coisas foram melhorando, o bar foi se renovando, tomando outro aspecto, pintura e prateleiras renovadas, novos quitutes e farta freguesia.
 

 

No meio daqueles homens emproados da sociedade que frequentavam seu bar, havia seu José que um dia lhe falou, com ares de deputado:
 

 

_ Ô portuga! Cê pode ir na minha casa dependurar uns cornos de veado na minha parede?
 

 

- Que cornos são esses, seu "dotô "? - perguntou o portuga alarmado.
 

 

_ São uns cornos que eu ganhei de um amigo caçador.
 

 

- Posso sim, seu "dotô". Pode ser amanhã ou o senhor quer inda hoje?
 

 

_ Hoje mesmo amigo, hoje mesmo. Eu te dou meu endereço e tu vais que a minha mulher lá te aguarda e te aponta o lugar.
 

 

O portuga não se fez de rogado, chamou o seu serviçal Joaquim, um rapazote que o ajudava no bar e se largou com o endereço do "dotô ", nas mãos.
 

 

Chegando à casa do "dotô",portuga foi recebido pela sua mulher, uma mulata daquelas que faz parar o trânsito, vestindo uma camisola transparente, exalando um cheiro de jasmim machucado com alfazema.
 

 

Portuga, embasbacado diante daquela visão, foi arrastando a mulata para dentro de casa sem falar nadica de nada, e ela não resistindo àquele arroubo lusitano, se deixou levar , conduzindo-o ao seu quarto onde consumaram uma paixão que parecia estar nas suas veias há muito tempo.
 

 

Despertando daquela tempestade, portuga retornou ao seu bar, esquecendo-se de fazer aquilo a que se propusera fazer, para o "dotô": dependurar os cornos na parede.
 

 

Cansado, portuga fecha as portas do bar mais cedo, recolhendo-se ao seu leito, quando escuta batidas fortes na porta da frente. Veste-se apressadamente e corre para atender, deparando-se com o "dotô"  apontando-lhe o dedo, perguntando-lhe:
 

 

_ Que fizeste? Que fizeste ô portuga desgraçado...eu te pedi que dependurasse os cornos na parede e tu o fizeste na minha testa?  E agora, que faço eu?
 

 

O portuga embasbacado, sem saber o que responder, balbuciou:
 

 

- Êta gente mole esta cá do Brasil! Além de não saber dependurar cornos também não os sabe retirar...
 

 

 

soninha

 
 
Sônia Maria Cidreira de Farias
Enviado por Sônia Maria Cidreira de Farias em 26/10/2011
Reeditado em 26/10/2011
Código do texto: T3299115
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