Pobreza não existe

Quando nasci, a única certeza que tinha era de que a minha mãe estava ali. Digo não porque me lembro, digo porque deduzo. Era feliz. Dormia, mamava, dormia. Sujava as roupas, vinha a minha mãe e trocava. O mundo era maravilhosamente pequeno, tudo era novidade. Meus irmãos e eu brincávamos o dia todo, a preocupação era estudar.

Passaram-se alguns anos, que não nos tiraram ainda a infância, mas trouxeram responsabilidades. Cuidar das plantações de meu pai, enquanto ele trabalhava na cidade. Mas mesmo assim ainda existia felicidade. A diversão e o trabalho se misturavam. Aumentava assim um pouco mais o nosso mundo. Outros poucos anos se passaram e, para que pudéssemos estudar, meu pai veio pra cidade. O nosso mundo se expandiu consideravelmente em muito pouco tempo. Agora a escola tinha muitas crianças. Algumas insuportáveis. Os olhares eram condenadores. Tudo que tínhamos e valorizávamos era menos do que as outras crianças tinham. Nosso mundo se expandiu mais um pouco, apresentando-nos a pobreza. Ela estava conosco todos os dias de nossas vidas mas não a enxergávamos. Nossas roupas velhas nos satisfaziam, cobriam nosso corpo. Nossos chinelos gastos cumpriam o seu dever. Mas tudo que víamos era melhor do que o que tínhamos. A pobreza nos fora apresentada. A pobreza veio aos nossos olhos justamente quando veio aos nossos corações o desejo de possuir aquilo que as outras pessoas possuiam. A pobreza veio com a inveja. Somente com os óculos da inveja é que realmente enxergamos a pobreza. Se não nos faltava a comida, a educação, a saúde, a vestimenta, o amor da família, não éramos pobres. Faltava-nos tudo aquilo que não precisávamos e nem sabíamos que existia. Faltava-nos roupas bonitas, sapatos brilhantes, materiais escolares personalizados. Faltava-nos video games, bicicletas modernas, brinquedos de última geração. Faltava-nos doces e bolos de padaria, alimentos industrializados, balas e chicletes. Só descobrimos que éramos pobres quando alguém notou que não possuíamos todas estas coisas, e assim apontou nossa diferença, a pobreza. Antes disso não a conhecíamos. Ao passo que íamos crescendo, a felicidade daqueles olhos de criança iam desaparecendo, e como nossos pais não podiam nos dar todas aquelas coisas das quais não precisávamos, conhecemos então o trabalho muito cedo, e perdemos um pouco da magia da adolescência.

Queríamos namorar, pois era chegada a época, então não conseguíamos encontrar pessoas dignas, pois todos haviam sido corrompidos com a inveja e não queriam vidas de pobreza para si. Trabalhamos então e construímos nossas vidas, encontramos nossas esposas, que foram atraídas muito mais pelo que possuíamos do que pelo que éramos de verdade. Pois o que éramos de verdade ainda somos, mas guardamos esta nossa face somente para nós mesmos. Podemos dizer que ela está adormecida. Quanto mais conhecemos do mundo, mas infelizes nos tornamos. Hoje somos adultos bem sucedidos, não somos assolados pela pobreza, porém somos tristes. Somos tristes e infelizes porque descobrimos que a pobreza não existe, porque descobrimos que fomos enganados. A sociedade nos enganou, mas só descobrimos isso agora, depois de muitos anos, e depois que nossos olhos felizes de criança ficaram para trás. A pobreza realmente é um produto que a sociedade criou para acabar com a felicidade das pessoas. Transformaram a felicidade na capacidade de possuir coisas, e nos fizeram acreditar que para sermos felizes precisamos possuir muitas dessas coisas. A pobreza não existe, e acreditem, a felicidade está naquilo que parece mais pobre.

Fábio Rocha Borges
Enviado por Fábio Rocha Borges em 28/10/2011
Reeditado em 28/10/2011
Código do texto: T3303735