As portas da percepção - O céu e o inferno

A PROPÓSITO DAS RUBRAS ROSAS QUE VOARAM EM UMA RUA, QUE NÃO ESSA; POVOADA UM DIA, QUE NÃO HOJE; POR SONHOS QUE SE FORAM, SALGANDO O MAR - AO FUNDO - QUE NÃO ESSE; DANDO-LHE VIDA, SEM SER ESSA ... FOTOGRAFIA.

se perguntasses: ... e rosas voam!??

responderia: tu viste rosas, eu margaridas

- são os sonhos! ... é a vida!...

Marco Bastos

Há momentos bastante interessantes quando sentimos a convergência para um estado de consciência que passa a responder questionamentos que se apresentaram gradualmente ao longo do tempo. Lembro-me da metáfora do "fecho de abóbada" de que nos fala Saint Éxupery. Ou da visão extasiada que Robert Johnson descreve no seu "He", ao interpretar a psicologia de Jung, talvez correspondendo ao momento em que o homem "encosta" no Universo, e fecha-se uma gestalt, ou se coloca um pingo no i - quando o estado de consciência se expande, e se dá uma catarse, ou catálise, como se houvera a faísca que permitiu que dois átomos de hidrogênio se combinassem com um de oxigênio, dando origem à água, e essa, aos oceanos. Talvez ao oceano do inconsciente coletivo.

Nos tempos recentes leio aqui na Peapaz, o incisivo Jorge Sader rebelar-se em suas "Provocações" contra o marasmo e a repetição dos mesmos temas; o Paulo César adentrar-se na filosofia da linguagem dos poetrix para concluir que nem todo terceto é um poetrix - uma bela percepção! ... Arlete no seu "Poetrix" provocar um alvoroço, pretendendo no terceto interpretar o amor e as dores do amor. Márcia Portela ao comentar a belíssima composição de Hildebrando, Sílvia e Enise, "Faço-te amor", perplexa como também fiquei diante de tanta beleza, exclama: "Não sei dizer qual dos três trouxe a arte maior...". Ontem foi Jorge Montenegro a perceber que os Letrix têm lógica e coerência internas para se estruturarem como linguagem específica. Por fim, hoje leio o Antonio Carlos Gomes no seu "Afeto e Imagem" a contrapor ou a reunir nesses dois recursos, palavra e imagem, as ferramentas da estese. E é a propósito disso que prossigo.

São recursos para a formatação e emissão das mensagens através dos signos que levam as idéias e os sentimentos na direção do receptor que os decodifica. Quanto a isso, é incontestável que a mensagem, no processo de comunicação, é o conjunto de palavras, imagens, sons e outros recursos sinestésicos para impactar sobre o cenestésico. Não importa muito se imagem e som são utilizados como forma de "criar o clima" para que a palavra mais abstrata e subjetiva, e portanto mais trabalhada a nível "racional", seja melhor compreendida.

Trata-se de compreender os fins a que nos propomos como artistas e como pessoas ou indivíduos.

Se somos artistas da comunicação e da mensagem, ou somos escritores, poetas, pintores, web-designers, músicos ou fotógrafos. Trata-se de saber distinguir "o que", importando do "o como fazer" aquilo que queremos e que produz os melhores resultados.

Há questionamentos se as imagens associadas aos textos não denunciam a incompletude dos mesmos, ou se não escondem a sua (a dele, ou a minha, autor) incapacidade de se expressarem mais completamente. E essa distinção não é irrelevante. Se ao escrever procuro alcançar uma melhor performance para os meus textos, evito recorrer à associação de imagem ao texto, na "lógica dura" de que ele mesmo, o texto seja competente para expressar o que estou querendo. Mas se priorizo a capacidade de impactar sobre o próximo, mexendo com suas emoções ou mudando-lhe o estado mental, de sensibilidade e de entendimento, considero inteligente recorrer-se a recursos outros não só de texto para se ter uma linguagem mais penetrante, subliminar e mais completa. Esse ponto de vista orientou o prefácio que redigi para um livro que se denomina "A poesia da fotografia" que estará sendo lançado no Estado de Minas, no dia dez de novembro. Com o próprio autor desse livro, eu já havia discutido sobre a questão das poesias "enfeitadas" com imagens ou fotos que as salvavam. Esse não é o caso do autor que prefaciei.

Outra "discussão" que, mesmo sem interferir, acompanho aqui, refere-se à espontaneidade que deve haver na Arte. Se poesias podem ou não ser "robotizadas", se formas poéticas podem, ou não devem ser estruturadas. Como se a "Arte" emanasse de uma inspiração "divina" ou de gênios e não fosse uma construção dos homens "normais". Vaidade pura. O homem é um ser imbricado em uma cultura e na sociedade. O seu processo mental não é livre. Os dialéticos concebem que: o "conhecimento" orienta o pensamento; que o "pensamento" dirige a atividade; que a "atividade" condiciona o pensamento; que o "pensamento" elabora o conhecimento, e se fecha um ciclo que evolui ad eternum e ad infinitum - e por mais que pareça, essa concepção não é mecanicista. O que existe é que a Arte é o espaço da criação, da irreverência, da transgressão, e cada qual cria "o que" e "o como" quiser criar. A Arte não é boa nem é ruim. A Arte é!... A diferença é somente, que há produções artísticas que perduram por milênios e há outras que não sobrevivem a um lustro e morrem quando morre o artista vaidoso.

Outro aspecto ainda a se considerar é o que se manifesta como "escrever para desabafar". Ora, obra e autor estão sempre interligados. No entanto, as atividades que o homem exerce correspondem a uma miríade. Naturalmente podemos nos desabafar através da atividade artística, e mais especificamente através das poesias intimistas. Algumas dessas atividades são mais isoladas, outras mais dialógicas. E cada um faz o que quer. E cada qual lê o que escolhe. Só é preciso que tenhamos algum bom senso para não rotularmos o fazer-artístico e nos postarmos diante dele de forma preconceituosa. Deve-se também evitar o "ruído" que decorre de algumas atitudes de relacionamento. O ambiente para o processo criativo pode ser sereno ou tumultuado e não há como se dizer que um é melhor que outro. A serenidade muitas vezes leva à acomodação e a arte é sempre irrequieta e pressupõe mudança. Os tumultos despertam a emulação e isso pode ser bom, pois vivifica. O limite talvez seja quando o tempo que deveria ser destinado à produção artística venha a ser utilizado na administração de conflitos internos ou externos, ou quando desviam o autor da rota produtiva por desestruturação emocional.

Para finalizar, lembro-me de alguns aspectos da semiótica e da comunicação. Enquanto Peirce acreditava estar construindo uma Lógica através dos signos em um contexto fenomenológico, Saussure estruturava o Conhecimento através da semântica, da linguagem, dos significantes e dos significados e a palavra libertava-se para se relacionar com as coisas do mundo ao invés de limitar-se à ortografia e à gramática. E me vem à mente "As portas da percepção - O céu e o inferno" do Aldous Huxley que trata de analisar os graus de sensibilidade mental e da percepção do homem quando sob o efeito da mescalina, um alucinógeno. Há aqueles que dizem que "a mentira repetida mil vezes transforma-se em verdade" e os que dizem que "a repetição esvazia o conteúdo e o significado do discurso". Italo Calvino pretende "construir" as características da linguagem para o milênio atual sobre as bases da leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade, consistência que impõem em última instância a simplicidade.