Um Sonho Inesquecível (In memoriam de Silvia Regina)

Sonhei com minha irmã. Estávamos em uma casa em construção. Era uma casa de madeira, já velha, pintada com turmalina, descascada em alguns pontos, nos quais se via a cor rosa, subjacente ao verde que tingia as tábuas. Na parte em construção via-se o madeiramento, à frente. A casa situava-se sobre um gramado verdejante, cercada por um mato denso, parecia ser um lugar alto. Havia diversas pessoas, meus filhos, minha mulher, outros parentes e algumas pessoas desconhecidas. Minha mãe também estava lá, porém eu não a via. A casa pertencia a ela. Anoitecia, quando alguém chamou-nos para a rua, com o intuito de nos mostrar alguma coisa no céu. Fomos todos para lá, deslocando-nos por entre o madeiramento da parte em construção.

Lembro-me de estarmos todos juntos, num grupo grande, ao lado da casa. Notei que minha irmã estava ao meu lado. Ela estava lindíssima, radiante. Seus olhos verdes fulguravam no lusco-fusco do anoitecer. Vestia um casacão preto, com a gola alta e bem delineada e uma calça escura, cuja tonalidade não pude definir. O tecido do casacão assemelhava-se a uma mistura de veludo com cetim, tal a sua maciez e brilho. Sua postura era altiva e elegante e exalava um cheiro terno e doce. Seus cabelos finíssimos flutuavam ao sabor da brisa leve que soprava, tocando-me o rosto suavemente, tal a proximidade que nos encontrávamos um do outro.

Aproximamo-nos mais e ela abraçou-me. Senti-me aconchegado e envolto na sua candura maternal. Aquele abraço foi tão intenso que parecia que nossas almas interpenetraram-se. Não havia mais limites entre nós. Formávamos um único ser, fundidos numa dimensão alheia ao mundo real a que eu estava acostumado. Entretanto, e apesar de, naquele momento, ter consciência de que sonhava, aquele acontecimento era muito concreto e muito real. Sentia-me unido ao universo e em plena sintonia com a natureza. Minha vontade era de permanecer ali, abraçado a ela indefinidamente, abandonando-me naquele momento sublime, indescritível.

Os anos que há muito nos haviam separado desapareceram por completo, parecia não existir mais tempo. Encontrávamos alegres e felizes como outrora. Não conversávamos, mas também era desnecessário, pois nos entendíamos perfeitamente apenas olhando-nos mutuamente. Aqueles momentos fugazes ficaram delineados na minha mente como nenhum outro jamais ficou.

Acordei banhado em lágrimas, chorava de felicidade e, também, por ter que abandona-la. Sentia, naquele momento, um misto de profunda tristeza e de alegria irreprimível. Estava muito atordoado e impressionado com o acontecimento.

Hoje, graças a este sonho, tenho a certeza de que existe um lugar, outra dimensão, ou sei lá o que, para o qual viajamos ao morrer. Neste lugar, o tempo flui, ou não flui, conforme nossa vontade. Lá, todos se fundem num único ser e, paradoxalmente, mantém-se a individualidade de cada um. Parece ambíguo, mas foi o sentimento que restou depois do sonho.

Minha índole cartesiana e meu raciocínio científico não conseguiram, e talvez nunca consiga, digerir ou explicar o acontecido. Ainda me pergunto: será que minha irmã visitou-me, obviamente proveniente de algum lugar assemelhado ao céu cristão, ou tudo não passou do imenso desejo inconsciente que tenho de revê-la?

OBS:

Texto publicado na obra Novos Talentos da Crônica Brasileira. Volume VI. Dezembro de 2006. Págs. 23-25. 1a. Ed. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores – CBJE (Br Letras), 2006.

Mallmith
Enviado por Mallmith em 29/12/2006
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