O CÂNCER E EU

Vou finalmente escrever sobre o câncer, assunto que me motivou a começar a escrever crônicas, mas talvez por não estar ainda pronta para falar do fato, deixei de lado até então.

Não se preocupem, vou tentar ser leve, só não vai dar pra ser sucinta, o assunto é longo mesmo.

Estava eu com meus 43 anos, com o saco cheio da vida, amarga por vários motivos, entre eles trabalho e amor, tratando de me ocupar apenas em reclamar das minhas mazelas do cotidiano, quando sem mais nem menos descobri um câncer de mama.

O filho da mãe, além de silencioso foi sacaninha. Percebi um caroço na mama e fui ao médico. Fiz os exames e o médico não gostou dos resultados, já meio que me alertando que algo poderia estar errado. Pediu biópsia, uma tal de core biópsia. Fui anestesiada, o cara veio com um treco na mão que mais parecia uma daquelas máquinas de costura manuais, uma que a gente segurava com uma mão só, e mostrava na propaganda que era o melhor quebra-galhos do mundo. Ah, tá! Provavelmente mais um daqueles cacarecos que se compra pra ficar na gaveta.

A tal maquininha do médico tinha na ponta uma “agulha” quadrada, bem grossa, parecendo um canudinho, e a dita fazia um barulho alto tipo “tec-tec-tec-tec-tec”. Cada barulhinho desse significava uma lasquinha do caroço sendo extraída para análise. Depois disso o médico e a enfermeira enfaixaram meu tórax tão apertado que fiquei a noite inteira sem dormir porque respirava com dificuldade, pensei que ia morrer imaginando que o tal exame era punk, mas que nada, foi o exagero da dupla na hora de me enfaixar que provocou o mal estar.

Então o danado do câncer me enganou, a biópsia não deu nada. Meu amado e sábio médico disse que eu tinha nascido de novo, mas não se deu por satisfeito e marcou cirurgia pra tirar o tal nódulo.

Bom, pra resumir o tal caroço foi extraído e mandado para biópsia de novo, e quando voltei ao médico alegre e saltitante só pra tirar os pontos recebi a desagradável notícia de que eu estava com câncer.

Saí da clínica, sentei na calçada da Rua Ângelo Vita, no Carrão, chorei pouco porque fiquei tão insípida, inodora e incolor que sequer conseguia chorar. Achei que ia morrer e ponto. Liguei para uma amiga e depois não lembro o que fiz, sinceramente.

A partir daí foi cirurgia, quimioterapia, radioterapia, todas as conseqüências desses tratamentos, umas poucas reações na quimio (posso me considerar uma privilegiada), queda de cabelos da cabeça e afins, mas afins mesmo. Fiquei parecendo uma minhoca, gente, de tão lisa!

Muitos lenços da 25 de Março, fotos da careca, até que minha cabeça é bonitinha! Alterações de humor, estresse, irritação, melhor nem comentar, pobres coitados os que se atreveram a me aturar naquele período.

Aliás descobri nessa época que anjos realmente existem e encontrei vários, alguns especiais: minha irmã mais velha, uma amiga do trabalho, duas maravilhosas figuras do IBCC que me atendiam na radioterapia, e meu guru espiritual.

No início achei que não ia suportar, pensava que se não fosse a doença, o que me mataria seria a tristeza, o estresse, a depressão, a falta de energia, a auto-estima lá no pé, a constatação de limitações, o sofrimento físico. Mas mesmo que aos trancos e barrancos passei por tudo e sem modéstia alguma me dou nota 10!

Acredito que nada é por acaso. O câncer veio na minha direção gritando aos quatro ventos (porque só assim eu iria ouvir) que eu não sou de aço, que tenho limites, que sou apenas e tão somente um mísero ser humano, um grão de areia no universo mesmo.

Afirmar que a doença me fez mudar, rever a vida, ou que me tornou uma pessoa melhor é um pouco demais. Eu já ia bem com a minha cara, mas certamente hoje eu gosto muito mais de mim, me amo intensamente (eu me amo, eu me amo, vem na cabeça a música do Ultraje a Rigor incondicionalmente), me sinto muito mais capaz, tenho uma energia que não existia, diferente.

Parece que depois de vencer um câncer você adquire habilidade pra fazer qualquer outra coisa. Fico feliz com meus feitos, orgulhosa da minha aptidão, admirada da minha competência, tenho mais coragem pra tentar de tudo, tô me achando. rsrsrs

Recuperei também minha crença por paixões. Tive muitas dores de amores na vida, várias. E a última, diga-se de passagem, me fez quase acreditar que a paixão não valia a pena. Por sorte foi só uma crise temporária.

Talvez não tenha a ver com o câncer mas até esse prazer foi retomado: o desejo de estar apaixonada. Para mim estar apaixonada dá mais sentido à vida, gera movimento na nossa insossa existência. Sempre pensei assim.

E enquanto o príncipe encantado (ou o rei, rsrsrs) não chega, me apaixono por viver, por experimentar coisas novas. Fiz curso de joalheria, me meti a vender coisas, exercitei empreendedorismo, não tirei nota boa, mas ainda insisto mesmo assim em continuar.

Agora estou tendo a experiência do ensino à distância, que confesso tinha um certo preconceito. Estou fazendo um curso de roteiro de histórias em quadrinhos e estou A-DO-RAN-DO! É tudo de bom! Não com o objetivo de virar fonte de renda, mas pra me divertir.

Outra coisa que sempre quis fazer e sempre protelei por medo e porque não conseguia decidir sobre o desenho era tatuagem. Agora já decidi, quero fazer uma tatuagem na cintura, enquanto ainda dá, rsrsrs, escrito “Foda-se” em letra de mão e repetidamente, intercalando com flores e arabescos a cada palavra, ou palavrão, como queiram. Tudo pequeno, delicado, contornando a cintura toda, vai ficar muito legal um foda-se delicado.

Discuti essa idéia com meu sobrinho e a minha interpretação era a de que o palavrão significa algo do tipo “não me incomode com bobagens” ou “me deixe em paz”. Já para ele o primeiro significado que lhe veio à mente foi “que se danem todos”.

Ambas as mensagens são válidas, e pra falar a verdade, não importa, foda-se a opinião dos outros, não me incomodem com bobagens.

Com tatuagem ou não eu quis contar minha experiência pra tentar ajudar a quem está padecendo do mesmo carma e mostrar que tem sim luz no fim do túnel.

Para quem está lendo esse texto talvez pareça tudo muito fácil e se forem próximos de alguém que está doente vão achar que é só a pessoa querer ficar bem e pronto. Não se enganem, não é simples assim. Mas não há outra opção, é só ter um pouco de paciência e caminhar devagar. É como entrar num lugar desconhecido e escuro sem querer: você não escolheu estar lá, mas agora já está, e não tem volta, então não dá pra arriscar, tem que ficar atento, ser cauteloso, manter a calma e ir em frente se quiser sair.

Outra coisa que comigo funcionou também foi pensar todo dia: vai acabar, bem ou mal, vai acabar, não é pra sempre e falta pouco.

E aí quando acaba você se sente orgulhosa de si, fica toda prosa, e pensa: Putz eu consegui, superei essa merda de câncer! Parecia tão impossível, mas não é.

Alguns ainda vão achar que é fácil falar só porque eu sobrevivi, pense então no seguinte: se eu tivesse morrido não teria acabado também?

E mais: se eu tivesse morrido teria sido melhor para mim ter encarado de outra forma senão com coragem e otimismo?

É só uma questão de ponto de vista e é você quem escolhe o seu.

Eu teria muito ainda a dizer, mas a crônica já está ficando extensa demais e daí ninguém lê, então vou esquartejar minhas narrativas e distribui-las em outras crônicas.

Em suma depois dessa tormenta você dá uma banana pro resto, ou faz tatuagem com palavrão, e continua sua vida.

Não sei se melhor ou diferente, mas certamente muito mais forte.