FINADOS

FINADOS

O dia amanheceu nublado, uma chuva fina mais parecida ao orvalho da primavera caiu sobre as pessoas que acotovelavam-se na Praça da Saudade, onde erigiram alguns palcos e os pastores disputavam o espaço em discursos pregando a salvação, já que os humanos querem mais e uma vida no paraíso é um sono de muitos. No centro do Campo Santo, Padres Católicos se revezam em missas constantes e simultâneas.

Eu caminhei com dificuldade assim como todos que ali se encontravam à procura dos túmulos de meus familiares mortos e entre lapides e jazigos, confundi a minha mente com os epitáfios declarados. Todos eles exaltam saudades eternas e davam a todos os mortos a titularidade de bom. Alguns túmulos estavam bem cuidados, com adornos, coroa de rosas e cravos, enquanto que outros desmoronavam gradativamente em criptas que se encontravam enterrados varias gerações entre pessoas simples e personagens notáveis.

Após a visita que sempre faço a cada ano, me desloquei até a capela e para a minha surpresa lá se encontrava afixado um aviso que dava 15 dias de prazo para os responsáveis por túmulos em divida com a administração pagassem seus débitos porque decorrido o prazo seria provido a emoção dos restos mortais dos endividados.

Há alguns anos, ao fazer uma visita de rotina a um cemitério, deparei co uma cena a qual denominei de grotesca. Operários destapavam os túmulos à picareta e enxadão, retiravam os ataúdes apodrecidos que se desfaziam ao menr movimento e separavam os ossos com pedações de pano e cabelos murchos, deixando um resto de destruição. Mais na administração alguns lotes estariam a venda aos interessados em adquiri a ultima morada supostamente utópica, a exemplo dos desalojados por falata de pagamento de taxas de conservação.

Vislumbra-se dessa forma até que ponto o mundo econômico interfere na vida e na morte das pessoas e nem os mortos estão livres da desapropriação de seus lares que deveria ser definitivo e que não são.

Enfim, finados serve para reflexão de nossos atos, da forma como a sociedade trata o que deveria ser o seu principal objetivo, o homem, a alma imortal, para cuidar como escravo do dinheiro que afasta as pessoas e as separa por clases. Daquele que tem e outros que nada possuem, e assim caminha a humanidade, só que ninguém sabe para onde.