Última Madrugada...

Eu amo as madrugadas. É a minha hora, é a hora em que eu me sinto melhor, mas como eu passo por tantas madrugadas muitas vezes nem me preocupo em analisar porque eu gosto tanto delas. Mas hoje estava meio evidente, acho que o que eu mais gosto é do silêncio... que na verdade não é bem um silêncio, é um silêncio recheado de barulhos muito mais interessantes que a poluição sonora das outras horas do dia. É impressionante, mas eu não consigo passar um dia nessa cidade sem ouvir barulho de obra, se não é aqui, é na casa das amigas ou na rua, mas quase sempre é aqui, o que é extremamente irritante porque uma das piores coisas na vida é ser acordada com barulho de obra. O pior é que não é só isso, tem o porteiro do prédio do lado berrando (um dia eu vou ameaçar esse homem de morte), crianças tendo ataques histéricos em todos os lugares, vendedores ambulantes que berram na frente do prédio e que eu escuto aqui nos fundos, buzina, barulho de tv, telefone, o meu mr heckles fazendo 'barulhos' no banheiro e falando no telefone (sim eu escuto tudo o que ele está fazendo quando vou ao banheiro), enfim, um caos, um horror. Mas de madrugada todas as pessoas chatas vão dormir, e o silêncio reina, e eu consigo ouvir o mar quebrando, e o vento passeando pelas frestas da cidade, mesmo os carros que passam rápido e longe soam mais interessantes nessa hora.

Mas as madrugadas não são para todos, elas são indicadas principalmente para os lone rangers, as pessoas que curtem a própria compania. E que gostam de pensar... Afinal, pensar é muito mais fácil sem barulhos e gente interrompendo.. eu não sei se isso também é uma coisa minha, já que o meu cérebro só começa a pegar depois de um certo tempo acordado... Mas eu acho que todo o ambiente da noite alta estimula a reflexão. Óbvio que existem também aqueles que experimentam as madrugadas de um jeito bem diferente, nas nights, dançando, socializando e se pegando. Talvez em mesas de bares o fator madrugada exerça alguma influência, já que os meus papos mais interessantes em mesas de bares vieram de madrugada, mas não sei bem se importa ou não.

O que me encanta mais nas madrugadas é o que eu vivo, observo, escuto, vejo e sinto. Eu adoro passear por cidades a noite, eu acho tão fascinante ver a cidade dormir... os cheiros, a iluminação, ou a falta desta, os barulhos... pena que nem toda cidade dá pra fazer muito isso hoje em dia. Mas eu já vivi situações fantásticas, desde tomar banho de mar de calcinha na Bahia as 4 da manhã... a passear por Firenze as 2:00 na garupa da bicicleta de um italianinho lindo. Firenze me marcou, porque ela tem um pouco de cidade do interior mas ao mesmo tempo ela é uma cidade que já viu tanta história e civilização. A cidade - que é de médio porte pros padrões italianos, mas que no geral é pequena - é linda e tão absurdamente antiga, é muito surreal estar lá naquele lugar onde já aconteceu tanta coisa, andando e respirando o ar daquelas ruas e pontes passaram tanta gente e tanta coisa... Dante, Botticelli, Michelangelo, Galileo, soldados e bombas, água. É muita história, e de madrugada é tudo tão calmo (e seguro, eu voltava sozinha andando para casa) que aquela cidade tão forte e poderosa, parece tão pequena, quase que uma criação da minha cabeça... uma cidade mágica.

Como eu amo as luzes amarelas das ruas vazias de noite.

Madrugadas são lindas, a própria natureza deu a ela acessórios melhores, as estrelas e a lua, que são muito mais bonitas e charmosas que o sol, quente e insosso, apesar dele também ter seus momentos - principalmente na hora em que ele vai embora, talvez o pôr do sol seja tão bonito por causa disso, para deixar nas pessoas uma lembrança boa do sol. O sol de inverno pálido também é interessante - mas a lua é melhor que ele. E especialmente em Gramado, o sol pesa contra, ele esquenta demais, e acaba me deixando de mal humor durante o dia, as noites são mais frescas, muito mais agradáveis.

Para completar elas são bem mais misteriosas, o que as pessoas estão fazendo de dia? trabalhando, estudando, se exercitando, whatever, você pode vê-las. E de madrugada? estão elas chorando, dormindo, fazendo sexo, fazendo amor, lendo, pensando, escrevendo, pintando? Eu não sei...

A grande parte está dormindo, mas algumas corujas estão por aí... e eu fico tentando imaginar o que elas estão sentindo e fazendo, mas logo eu me perco...

Porque bate um vento que me leva embora. ou uma música do Chopin me faz pensar na noite fria na serra num fim de semana em janeiro de 2006...