O PALHAÇO

Em uma época em que não havia televisão, nem videogame e nem computador, o circo constituía um universo mágico para todas as crianças. Não se tratava de um circo como o “Cirque du Soleil”, com toda a parafernália eletrônica e toda a tecnologia proporcionando um megaespetáculo de beleza ímpar, mas de um circo com chão de serragem e cobertura de lona. Os mais sofisticados podiam ter o luxo de um globo da morte ou animais adestrados. Outros davam aos fãs de alguns cantores da época a oportunidade de ver seus ídolos ao vivo, já que, com a inexistência da televisão, somente pelo rádio era possível um contato mais próximo com eles, apenas ouvindo suas vozes. E havia ainda o circo-teatro, onde era possível assistir a algumas peças clássicas interpretadas pelos atores da companhia.

Quando o circo chegava à cidade, era uma festa! Havia desfile nas ruas, com as atrações principais em cima de caminhões coloridos, e até jaulas exibindo os animais que faziam parte o espetáculo.

E a imaginação da meninada corria solta! Quando o circo ia embora, ficava uma tristeza, um vazio, e o jeito era brincar de circo, tentando repetir as proezas que, na nossa concepção, eram dignas de seres muito especiais. E não era raro um menino ou uma menina sofrer com a vontade de ir embora com o circo. E de vez em quando, havia a notícia de que alguém tinha ido, para escândalo geral...

Mas o personagem mais emblemático do universo do circo é o palhaço. Muitas já foram as obras escritas sobre esse emissário da alegria, quase sempre histórias tristes...

O filme “O Palhaço” de Selton Mello, com o grande Paulo José e o próprio Selton nos papéis principais, é um maravilhoso exercício de sensibilidade.

O filme consegue remeter-nos a aquele mundo mágico que povoou o imaginário de tantas crianças de outrora. A fragilidade da estrutura material do circo se mescla à fragilidade emocional do personagem principal, em crise existencial, em um momento depressivo em que quer largar tudo e mudar de vida (quantas vezes não nos sentimos assim?). Mas ele possui sonhos, na realidade, três sonhos: o de mudança de vida, o de encontrar um amor e um sonho de consumo. Este, da maior simplicidade possível, como o próprio personagem.

E o filme tem momentos do mais mágico lirismo: frases ditas com sabedoria e experiência, fazendo refletir:”cada um deve fazer o que sabe: o gato bebe leite, o rato come queijo. Eu sou palhaço”. Ou então: “ eu sou palhaço. Faço as pessoas rirem. Quem vai me fazer rir?”

No final, o filme deixa a sua mensagem maior: o que vale a pena é a esperança. Esperança que é o próprio nome do circo do filme, e é perpetuada nas imagens e na fala final: “eu sou forte, pois sou protegida por Santo Filomeno, protetor dos artistas!”

Hermes Falleiros

Franca, 07 de outubro de 2011