O homem, o cahorro e a sacola

O HOMEM, O CACHORRO E A SACOLA

Numa bela manhã de sol, quente como quase sempre em nosso Estado, um amigo se preparava para ir trabalhar. Pegou uma sacola com os pertences de um dia inteiro na rua, pois entre um emprego e outro não daria para voltar em casa. A sacola já pesava no começo do dia, imagine após percorrer parte da região metropolitana de Vitória.

Ao sair olhou para a casa de sua mãe, que morava a poucos metros da sua. Pensou em parar, mas seguiu a diante, poderia se atrasar. No fim do dia, como de costume, eles se encontrariam. Foi descendo a ladeira que o levaria ao ponto de ônibus quando avistou um cachorro parecido com o de sua mãe. Esperou chegar mais perto para ter certeza que aquele poodle branco era o cachorro fujão. Isso mesmo, ele já havia fugido alguns dias antes. Ele pegou o cachorro, deu uma bronca nele (as pessoas tem essa mania de conversar com cães) e lhe informou que o levaria de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído - novamente conversando com o cão, que nada disse, não se opôs.

Começou a fazer todo o percurso de volta. O sol já estava mais quente, sua camisa começava a molhar. A sacola parecia estar mais pesada do que no início e era preciso trocá-la de lado a cada curto tempo. Uma paradinha para respirar e se ajeitar. Cachorrinho danado! Sua vontade a certa altura da ladeira, era de tê-lo deixado pra trás. Mas pensando no sentimento da mãe em passar novamente pelo sofrimento de nunca mais ver seu cãozinho, resolveu que redobraria seus esforços.

Alguns vizinhos que todos os dias o viam descer no mesmo horário para trabalhar começaram a indagá-lo sobre o motivo de estar retornando para a sua casa àquela hora e com um cão nos braços. Bairro onde todos os moradores se conhecem tem dessas coisas, sabem os horários de saída e de chegada de cada um, mesmo porque muitos não saem dali, permanecem inertes em suas janelas ou sentados em suas calçadas prontos para dar “informações” sobre a vida alheia.

Mas nesse caso eles queriam é saber das informações, talvez com a intenção de mais tarde repassá-las. Perguntavam sobre tudo: por que estava retornando, por que segurava um cachorro nas mãos, e até mesmo sobre o que ele carregava na sacola. Muitos não diziam nada, mas ele é que se perguntava sobre o que estariam pensando. Pelos olhares pareciam imaginar que meu amigo havia se tornado a mais nova lenda do bairro: o homem que roubava cachorros, colocava-os no saco e transformava-os em sabão. Nossa, Que imaginação! Deve ter sido o calor.

Ao se aproximar da casa de sua mãe começou a sentir um alívio inexplicável. Era um misto de dever cumprido com a sensação prazerosa de ter um peso retirado dos ombros, literalmente! Tamanha foi a sua surpresa ao chegar à frente da casa e avistar, por entre as grades do portão recentemente pintado, uma imagem que lhe pareceu irreal. Não! Não poderia estar enxergando bem. Ele ficou paralisado. Do lado de dentro do portão, deitado no chão do quintal e de olhar cabisbaixo, como quem havia acabado de acordar, estava o cão. Não qualquer cão, era ele, o poodle branco, o cão de sua mãe. Mas como? Ele o estava segurando. Só então percebeu que todo seu esforço foi para evitar a fuga de um cão que não estava fugindo. Balançou a cabeça com um sorriso sem graça nos lábios sem saber o que fazer. Começou a descer novamente a ladeira, sem coragem de encarar os olhares dos vizinhos, e ainda com o cão nos braços. Quando se deu conta de que ainda o carregava, resmungou algumas palavras consigo mesmo na tentativa de desabafar sobre seu frustrado ato de nobreza. Meio desorientado colocou o cão no chão, deu uns passos em direção ao seu caminho habitual, olhou para trás e disse:

- que isso não se repita, seu cachorro enganador!