Caminho a Seguir

Na falta de uma biblioteca, Joana colocou uma enorme estante de madeira num dos quartos da casa. Todos os livros, que não eram poucos, foram ali colocados e organizados esteticamente apenas, sem nenhuma tabela técnica. Na parte inferior do móvel, ela aproveitou para colocar pastas, trabalhos escolares e álbuns de fotografias.

Uma pasta preta era especial para seu coração. Protegida em plástico, guardava toda a correspondência de seu período de namoro, cada missiva com seu invólucro. Em ordem cronológica, todas as cartas foram colocadas, cuidadosamente, ao lado das respostas correspondentes. Em seis meses de namoro por correspondência, formou-se um bom volume de papel que, para Joana, representava um tesouro inestimável guardado naquela pasta. De tempos em tempos, realizava um ritual de retorno a um tempo mítico: pegava as cartas e as lia, feliz, como se cada uma fosse recebida naquele instante. As missivas traziam palavras ternas, juras de amor eterno, descortinava uma caminhada de afetos recíprocos. Ela sorria, ela chorava de emoção e, depois, novamente as cartas voltavam à pasta preta. Esta cena repetiu-se, com os sentimentos renovados, por vezes incontáveis. Os anos passaram e Joana mantinha, com fiel regularidade, aquele sagrado ritual. Era feliz no casamento que lhe proporcionou lindos rebentos!

Numa tarde, estava Joana dedilhando ao piano a “Ave Maria” de Gounod, a música do marido, quando um telefonema recebido destruiu seu casamento, fazendo-lhe tristes revelações de traição que já perdurava por uns dez anos. Dias difíceis, com muitas lágrimas, vieram para esta sonhadora senhora. Acordos foram feitos com pedidos de nova chance. Cenas de perdão aconteceram, mesmo com a confiança perdida, aos acordes do Pai-Nosso!

Um dia, Joana tomou uma decisão. Entrou no quarto, onde estava a grande estante, com uma percepção diferente da vida. A pasta preta para ela, agora, continha apenas velhos papéis que não mais significavam tesouros para seu coração. Pelo contrário, entulhavam a sua vida de mentiras. Contudo isso não impediu que as lágrimas jorrassem em cada carta que era rasgada e jogada num saco de lixo.

Que outros agora toquem a “Ave Maria” de Gounod, porque Joana tem outro caminho a seguir.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 01/01/2007
Reeditado em 19/08/2011
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