Rede de negócios (lucrativos)

REDE DE NEGÓCIOS (LUCRATIVOS)

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 16.11.11)

Sejamos francos: o título aí desta crônica é uma lamentável redundância, um desnecessário pleonasmo, uma detestável tautologia. Obra, possivelmente, de algum abominável homem das Neves. Perdão: das neves. Afinal, pode-de perfeitamente admitir a existência de negócios, mais ou menos pequenos, que sejam deficitários. Quando isto acontece, o que sucede? O dono ou os sócios mudam de negócio, não ficam, idiotas, bancando um prejuízo que não acabará jamais.

Decorre daí a verdade cristalina que, se o negócio não é bom, ou não se revelou bom na prática, ninguém pensará em expandi-lo em rede, multiplicando as perdas pelo número de locais de atuação. A menos que se trate - aí sim! - de uma lavanderia, da fachada conveniente para "legalizar" dinheiro escuso, para "esquentar" a grana polpuda (caixas dois incluídos) da contravenção, do crime, da sonegação e colocá-lo a circular. Nestes casos, o prejuízo é excelente negócio, altamente lucrativo. Fora isso, não.

Portanto, por definição, qualquer negócio em rede sempre será lucrativo.

Mas por que cargas d'água, afinal, esta longa introdução que já comeu metade do espaço disponível?

Porque a imprensa sai por aí a denunciar um sujeito que tinha uma ONG e pôs-se a negociar com ministros, senadores e até deputados. Aquelas coisas que os governos deveriam fazer e não fazem passam a ser feitas por organizações não governamentais, as tais ONGs, as quais podem arrecadar recursos da iniciativa privada mas também podem assinar opulentos convênios com os governos, que não fazem as coisas que deveriam fazer e pagam para ONGs executarem as tarefas. Dizem que muitas vezes esse dinheirão todo, que ninguém fiscaliza, some sem que se possa dizer onde foi parar.

Pois o tal sujeito da ONG acima (ONG acima não é o nome da ONG) foi tirar visto num consulado dos Estados Unidos e a mulher, funcionária pública à beira da aposentadoria, dura, seca e com cara de poucos amigos, apesar das ordens vindas de cima para aliviar com o pessoal da terrinha porque brasileiro está levando muito dinheiro para eles e eles precisam que cada vez mais brasileiros embarquem para Orlando e gastem lá uma bela de uma grana, ativo de que estão muito necessitados por conta da crise que vivem, perguntou-lhe a profissão.

- Ôngster - ele disse.

- Gângster?! - ela foi à loucura. - Já temos os nossos por lá, e são suficientes para o gasto. Não permitimos concorrência desleal, que vai tirar empregos e renda do nosso Cidadão!

Ele teve que explicar, sob olhares ameaçadores, que não era nada disso, tratava-se apenas do fato de que ele é dono de uma rede de ONGs de todos os tipos, profissões de fé e objetivos que se possam imaginar, desde a ONG da preservação dos jacarés do Rio do Sertão e a ONG do levantamento e guarda de toda a documentação histórica dos Osórios até ONGs pela valorização da saúde, da educação, da cultura e da segurança, passando por ONGs em defesa dos mangues e das águas, contra o desmatamento e a favor do florestamento (que consiste, ele esclareceu, em propugnar pelo confinamento nas florestas de toda e qualquer pessoa que tenha traços de sangue índio nas veias a fim de abrir espaço nas cidades para os não índios), sem contar uma HONG, quer dizer, uma "holding" das ONGs todas, senão ninguém segura a barra. Ressabiada, a mulher quis saber o seu "hobby" predileto.

- Quando estou muito tenso, dou-me ao luxo de me ausentar dos negócios e saio a abater ministros. De vez em quando derrubo um espécimen.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.

Em 26.09.2011 foi eleito em primeiro turno, com 24 votos de 29 possíveis, para a Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras.