HOMEM CHORA, SIM

Durante a minha infância e juventude, cansei de ouvir a expressão”homem que é homem não chora’. E como, de regra, era pronunciada por pessoas mais velhas, que mereciam o meu respeito e credibilidade, passou a ser uma máxima para mim. Essa concepção arraigou-se no meu consciente.

Acontece, porém, que, à medida que o tempo foi passando, tive acesso a um número maior de informação e não foi tão difícil mudar tal conceito e chegar à conclusão de que o homem chora, sim. Chora exatamente porque, como homem, como ser humano, é dotado de sensibilidade de tal ordem, que é capaz de chorar, portanto. Quem chora extravasa um sentimento, um estado emocional, que materializa uma sensação de alegria, tristeza, amor ódio, etc.

Considero-me um homem privilegiado porque sempre que choro o faço em decorrência de um sentimento de alegria, de surpresa agradável.

O que, na verdade, estou querendo dizer é o seguinte: tenho como vizinho o casal Primo e Adriana, pais de uma bela e saudável criança, Maria Vitória. Além de vizinhos, as nossas vagas de garagens são paralelas, simplesmente separadas por uma linha divisória.

Acrescento que, por índole, sou uma pessoa que acredita nos semelhantes que me cercam. Em razão disso sou, às vezes, um tanto descuidado, ora esquecendo a porta do carro semi-aberta, ora o aparelho de som ligado, ora os faroletes acesos.

Como habitualmente o casal Primo e Adriana chega à garagem depois de mim, Maria Vitória sempre, ao sair do carro dos pais, “fiscaliza” o meu carro e quando detecta algo errado não se contém enquanto não traz o fato ao meu conhecimento, geralmente via telefone..

Esse zelo, essa preocupação, com um bem de minha propriedade, nascidos de uma criança, mas não só por isso, gerou em mim um sentimento de afetividade pela Maria Vitória e seus pais, fato que me encanta e me torna feliz.

Pois bem. Às vésperas do Natal eu estava em meu escritório, escrevendo minhas “Bobagens – em Prosa e Versos”, quando a secretária doméstica me disse que uma criança muito bonita estava à porta da cozinha e desejava falar comigo. Imediatamente me dirigi ao local e lá estava, nada mais nada menos, do que Maria Vitória, seríssima, mas bela, formosa, altiva, olhos vivos em direção a mim. Em uma de suas mãos uma pequena caixa com um cartão (que só depois verifiquei que se tratava de uma mensagem de Natal da família Primo). Fascinado com a presença daquela criaturinha, expressão máxima do que é puro e delicado, dela ouvi uma série de palavras. Compassadas, bem articuladas, mas o meu estado de embevecidade – se me é permitido assim expressar – não me permitiram entender uma palavra sequer. Pareceu-me que ela tentava explicar o que significava aquela caixinha, mas, repito, não sei, expressão da verdade, o que ela me disse.

Entregou-me a pequena caixa com o cartão, já referidos, virou-se e com passos firmes, com a postura de uma rainha, voltou para sua casa.

Silenciosamente voltei ao escritório e, embora tentasse, não consegui conter as lágrimas, que vieram rápidas e aos borbotões. Chorei.

Chorei ontem, Maria Vitória. Hoje estou rindo de felicidade e continuo sendo homem.

Obrigado, Maria Vitória. Agradeço-lhe hoje, pois não pude fazê-lo na ocasião própria.

levy pereira de menezes
Enviado por levy pereira de menezes em 02/01/2007
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