PERIPÉCIAS DE OUTRORA
                                      Hélio Rodrigues TITAN
   
        “Onde estão os jovens de meu tempo, onde sonhavam nos arroubos de brincar, para mudar?”
     Juliano Fleck, poeta
 
     Os leitores do jornal Amazônia Hoje, que costumam me honrar com suas leituras, já devem ter uma noção de meu estilo de escrever e também dos meus temas preferidos, que costumo abordar nos artigos, como fatos históricos, poesias, biografias, medicina e, principalmente, a minha paixão científica: a  cosmologia. É certo que já consta no meu “currículo” certos contos, astronomia, relatos, publicados inclusive neste jornal. Não é, portanto, o meu forte literário.
    Hoje, porém, vou fugir à regra, a fim de relatar aos amigos uma pequena faixa, em forma de pequenos acontecimentos, com certa dose de hilaridade, de uma época que já vai longe, infelizmente sem retroação: a fase de nossa juventude! A juventude é, na realidade, a melhor temporada terrena de nossas vidas, com temperos como a liberdade da vida, certa pitada de irresponsabilidade, maior amor existencial, além da sensação platônica de viver.
    Sou fruto de uma família classe média B, porém de costumes aristocráticos, graças à minha mãe Irene, que herdou esses costumes não sei de quem...! Foi nessa atmosfera saudável que conheci, há mais de meia centúria, um amigo que cronificou no meu espírito e coração: o Sérgio Martins Pandolfo, meu parceiro constante das aventuras acontecidas no bairro onde morávamos, o Umarizal; ele, morando na Boaventura da Silva, eu, na Oliveira Belo e depois na antiga São Jerônimo.
    Vamos aos fatos, ou peripécias que minha memória guarda em um compartimento muito precioso de minha mente. Certo dia (ou noite) aconteceu um aniversário de 15 anos de uma jovem de família tradicional em Belém, residente na Travessa 14 de Março, perto da atual sorveteria Cairu. Eu, Sérgio e mais quatro ou cinco pilantras (no bom sentido) resolvemos botar “água no chope”, do referido festejo natalício. Sacrificamos um urubu bem parrudo, amarramos um lenço branco no seu pescoço e pimba! Sapecamos o carniceiro bem no meio do salão, onde casais rodopiavam nos boleros da época. Foi um Deus nos acuda; o pai da aniversariante, com um trabuco nas mãos, nos caçou até à dobra do mundo! Em outra ocasião resolvemos “reinar” com um colega meio esquisitão, chamado George Wallace, residente em uma casa de porta e janela na São Jerônimo, quase esquina com a 14 de Março. E qual foi a baderna, amigos leitores? Simplesmente chover, alta hora da noite, uma saraivada de pedras na porta do dito cujo colega. “Vamos só jogar pedras pequenas “turma”, para não ferir os moradores”. Só houve um senão: o Sérgio arremessou um “baita” paralelepípedo de granito, quase desabando a moradia da família Wallace. O barulho foi infernal.
    Quando eu já morava na Avenida São Jerônimo, meu pai Edgar construiu um barracão no fundo do quintal, a fim de estudarmos sem atrapalhar o sono dos justos. Certa noite, meu querido amigo Sérgio, sempre zeloso, ao chegar de noitinha, para iniciarmos os deveres escolares, deparou-se com um imenso barril cheio de ratos, num barulho enervante. Meu amigo não teve dúvidas: derramou 1 litro de querosene e incendiou os roedores indesejáveis.
    Pela manhã bem cedo meu pai não teve um infarto do miocárdio porque não era moda na época. “Quem foi o amaldiçoado que torrou meus muçuãs do Marajó?” lembro-me também de um acontecimento deveras hilariante, se não fosse cruel, devido às proporções do acontecido. Minha família tinha na época uma casa de veraneio em Salinópolis, sendo nossa moradia todo mês de julho. E sabem os amigos leitores quem pegava essa “carona” de férias? Ah, não sabem? Justo o meu amigo Sérgio.
    Meu “velho” costumava dormir perto da entrada da casa, estatelado numa rede, ao embalar dos ventos oceânicos. Certa madrugada, eu e o Sérgio, ao regressarmos após um dançará de carimbó, meio “melados”, adentramos para dormir e curtir a ressaca a fim de ganhar a praia no dia seguinte. Deu zebra! O “Pan-Pan”, como eu o chamo até hoje, descarregou em cima do seu Titan toda a gororoba da noitada, com fedor de cachaça barata! Havia também os trotes telefônicos, gozadores, irreverentes. Na atual Governador José Malcher, esquina com Rui Barbosa, se não me falha o local, havia uma mercearia típica dos tempos; seu nome era mercearia Tom Mix (aquele herói americano), Pois bem, nossa brincadeira com o dono do estabelecimento era quando seu Manoel atendia nosso telefonema. “Daonde fala?” “Tom Mix”, respondia com voz impostada, o coitado. “Então, mãos aos altos!” Outras vezes ligávamos para qualquer comércio alimentício e perguntávamos: “Os senhores têm sardinhas em latas? ”Temos sim senhor, respondiam. “Então solte as coitadas, seu malvado”, dizíamos.
    E assim seguimos a vida feliz e bem dormida, nos levando hoje em dia a brasileiros dignos, probos, formados em Medicina e, modéstia à parte, úteis à sociedade que nos acolhe! O que podemos tirar de útil, amigos leitores, de nossas aventuras juvenis de outrora, mesmo algumas com certo exagero, reside no fato de que o jovem pode ter uma juventude extrovertida, sem a companhia das drogas químicas e do alcoolismo contumaz, e com isso torná-lo um brasileiro útil na fase adulta e laboriosa de sua vida!
    Não quero tecer  comentários sobre minha pessoa. Sobre isso deixo para os semelhantes e amigos que me conhecem. Agora sobre Sérgio Martins Pandolfo eu falo de Cátedra! Homem íntegro, cultura invejável, que o torna inclusive, pelo fato, um injustiçado, ao ser preterido por criaturas menos qualificadas! Amigo inseparável e fiel, presente sempre nas horas precisas, sem perder a rudeza de seus toques de sinceridade de seu nobre coração. Excelente chefe de família, filho extremado!
    Assim foi, amigos leitores, minha juventude! Cheia de estripulias, aventuras inofensivas, estudos sérios, pais amorosos, um irmão maravilhoso e um amigo eterno!
 
  Nota: Publicado na edição do jornal Amazônia Hoje de 21/09/2006
Na foto ao alto, sessão da Sobrames no HC"Gaspar Vianna", 2004. Titan fala sobre JK. Pandolfo ouve na plateia. Dois amigos de fé, irmãos, camaradas.
Hélio Rodrigues Titan
Enviado por Sérgio Pandolfo em 17/11/2011
Reeditado em 04/04/2012
Código do texto: T3341146
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