O AMOR É ASSIM MESMO

POEMA:

"Não sou escravo de ninguém

Ninguém, senhor do meu domínio

Sei o que devo defender

E, por valor eu tenho

E temo o que agora se desfaz"

(Renato Russo)

"É pena que você pense

Que eu sou seu escravo [...]

Porque quando eu jurei meu amor

Eu traí a mim mesmo"

(Raul Seixas)

Ser solteiro nunca foi a falta de alguém, e sim

Se permitir ao direito de não ser incomodado

Por quem tanto te aflige

Ora, só eu sou capaz de governar a minha solidão

Tem gente que só porque jura amor sem nem amar

Dizendo ‘eu te amo’ da boca pra fora

Oferecendo uma companhia as vezes desnecessária e desprezível

Acha que isso lhe dá o direito de escravizar a solidão alheia

Espanque mais e despreze mais a sua carência

E também, respeite mais a sua solidão

Ela sempre foi a sua melhor companhia

E ela só tem pena de ti por sempre ser trocada

Por alguém que você mal conhece

Por culpa de um mísero beijo, de um mísero elogio

Ou de uma mísera declaração de amor

O problema é que as vezes a pessoa se surra não sendo capaz de se aturar]

E passa essa bola pra você, que também não consegue aturar você

Seja mais solidário com a sua solidão:

Se aconchegue mais em você

Se abrace mais

Se critique mais

E até se masturbe mais

E nem faça cara feia - desprezo falsos pudores -

Pois muito mais feio é sair de casa num sábado a noite

Com os bolsos cheios de grana para comprar o sexo de uma pessoa

Que depois do orgasmo, o único sentimento capaz de brotar é o nojo

Na dúvida, um punheta faz com que você não seja hipócrita

Em oferecer o seu amor a troco do sexo

Ou melhor, a troco de um orgasmo...

Sexo exige muito mais que um lamaçal de espermas

E é por desejar doentiamente gozar, que indesejadamente

Nascem milhares de pessoas indesejadas

Fico pensando, ainda bem que existe a punheta

Imagine só quanta gente não desce pelo ralo do banheiro

Os invés de irem parar em um útero solitário

Depois um parto normal ou uma cesariana

Torno a dizer, seja mais solidário com a sua solidão: nunca a traia

Tente primeiro ser fiel a si

E só depois tente cumprir a promessa de ser fiel

A quem também te jurou fidelidade

Mesmo sem saber também se é capaz de ser fiel

A fidelidade é uma refeição estragada que damos de esmolas:

A doamos mesmo sabendo que ela vai fazer mal a quem doamos

Enfim,

As pessoas nunca traem umas as outras, posto que antes de trair,

Nós já estamos nos enganando a muito tempo

Por isso nunca traia a sua solidão com alguém chamado “qualquer um”

Pois no dia em que ela quiser te trair, ela vai armar uma arapuca...

Sua carência vai cair na arapuca, e você vai achar

Que o primeiro idiota que lhe oferecer afeto, mesmo sem afeto ter

Será a pessoa que te salvará da felicidade

De poder sentir o sentimento que quiseres

O escravo mais submisso é aquele que deixa o seu direito de sentir

Ser domado pelo direito alheio de exigir o sentimento alheio

E que fique bem claro, não estou fazendo apologia

Para que as pessoas não namorem ou casem... muito pelo contrário

Oxente! Nenhum sentimento que sintas te faz ser dono de ninguém

Assim como nenhum sentimento que sintam por você

Faz ninguém ser dono de ti... Inclusive a paixão!

Confundem o amor e a arte de amar com o pavor de não poder ser mais só]

E mais uma vez repito: respeito mais a sua solidão,

Ela nunca te abandonará...

A não ser que você venha a cometer a aberração

De ser despeitado consigo mesmo, e

Com inveja de si mesmo, se entregar ao fingimento...

O amor não é como um jogo de cartas, onde você se senta à mesa,

Faz uma canastra trapaceando, depois se levanta sorrindo

Com o cigarro na boca e os bolsos cheios de dinheiro...

Trapacear no amor não é enganar que sente o que não sente

Ou roubar o sentimento alheio e perder por perder quem se ama

Mas sim querer ganhar mais um amor de mais um alguém

Ou um amor a mais de alguém mais, tanto faz

E perder os dois amores que nunca tivestes

Não são as mentiras que destroem o amor, e sim

A sedução frustrada de tentar inventar várias verdades

Nada nunca pode haver o que nunca há

Jamais existirá a existência do que não existe

Um falso amor não passa de uma ilusão de amar

Por isso não existe afeto onde o sentimento não há

O mal da humanidade é confundir a vontade de desejar

Com a promessa de cumprir o que se deseja

Por fim, só assim, o ciúme, senhor do amor

Fez do amor a arte solitária de não conseguir ser só

Fez da felicidade o mais impávido horror

E o sentimento de amar não passar de um sentir dó

Desesperadamente, a gente se dá sem dar à mínima

Em saber se é o corpo na cama que te querem

Ou o prazer de querer viver acordado ao teu lado...

Mas, o amor é assim mesmo... Não passa de um medo de morrer sozinho!