Icó - patrimônio nacional

Para evitar cruzar com a tal gentalha, mandou fazer dois grandes túneis a partir de seu sobrado luxuoso: um túnel o levava ao Teatro Ribeira dos Icós, onde o Barão e sua irmã assistiam espetáculos bem produzidos. O outro túnel ligava-o à Matriz, onde o Barão e a irmã assistiam missa.

Diziam alguns criados – castigados severamente com surras de corrente de ferro ou mesmo com a brusca extração de dentes – que os olhos verdes, regados a sangue azul, do seu amo, o Barão do Crato, não deviam mesmo fitar a gente maltrapilha que transitava no Largo do Théberge! Principalmente o populacho que vivia lambendo a bunda do Barão do Icó e de Dona Janoca Dias, ferrenhos inimigos políticos do Barão do Crato.

O Barão do Crato tinha uma grande inimiga e um grande inimigo. A inimiga era Dona Janoca Dias, fazendeira de muitas terras, muitos animais, ouro, dinheiro, muitos criados... Mas não era refinada. Diz-que muita vez ela mesma liderança tropeiros e boiadeiros daqui até Limoeiro!...

O jeito de ser e viver de Dona Janoca desagradava o Barão do Crato, sobretudo a sujeira e o lamaçal que as manadas de bois, burros e cavalos faziam no Largo do Théberge.

Um dia, não amanhecendo bem da veneta, o Barão gritou que ia mandar cortar os tamarineiros de Dona Janoca. Assim não teria onde abrigar rebanhos; e a cidade ficaria mais bem saneada. Não sabiam da cólera-morbo, que dizimava povoações inteiras? A criadagem do Barão concordava: ‘Onde já se viu tanta lama e tanta bosta nas imediações do Sobrado do Barão do Crato?’

A dona Janoca virou uma fera ao saber da ameaça do Barão. Desaforo daquele mequetrefe empolado e perfumado... Onde já se viu ameaçar cortas suas tamarineiras plantadas e cultivadas com tanto carinhos por tantas décadas? Berrou ao capataz, entregou-lhe um saco de dinheiro e mandou que fosse comprar uma carraria de pólvora. Pólvora. Que não discutisse e fosse imediatamente buscar a mercadoria. Pólvora, muita pólvora... Dona Janoca queria muita pólvora.

De posse dos sacos e sacos de pólvora, espalhados no frôndeo tamarineiro, Dona Janoca mandou chamar o Barão. Esperou até este se arrumasse, pois, jamais pisava na calçado sem estar especialmente trajado. E vinha lá ele na elegância costumeira, teso, desviando os sapatos caros da sujeira... Dona Janoca disparou a falar:

- O Sr. vai, então,mandar cortar minha tamarineiras, não é, Barão? Está sendo este sacaria? É pólvora. Quando seus lacaios derem a primeira machadada, eu mando explodir o seu sobrado!

O Barão era peitudo, severo, mas não era louco de duvidar da palavra de Dona Janoca. Deu pra trás, ou, como se diz no Icó, mijou pra trás!

Dona Janoca, então, doou a pólvora a Igreja do Senhor do Bonfim, que festejou a profissão. Foi um foguetório tão estridente que a cidade se estremeceu de uma ponta a outra. Aí virou tradição: até hoje o foguetório é realizado após a procissão do Padroeiro pelas ruas assobradadas da Ico Antiga, patrimônio brasileiro...

O outro inimigo do Barão do Crato era o Barão do Ico. Mas isso é outra história.