263 - Viação Saudade

Essa história de que nunca é tarde para recomeçar é algo que realmente me incomoda. Recomeçar é cansativo, afinal ver tudo de novo é um tédio e já sabemos como vai ser, com a ilusão de que no final vai ser diferente. Bobagem!

Naquela tarde tudo o que eu queria era não descer daquele ônibus velho. Eu queria que ele me levasse pra bem longe das minhas obrigações e formalidades, para um lugar onde fosse permitido amar outra vez sem culpa.

Cada buraco na rua me aproximava repentinamente do meu desejo e com a mesma velocidade me distanciava. O que nos separou foi um dedo de burrice. Sacolejos e solavancos me levavam ao céu.

O tempo poderia parar no penúltimo ponto mas a vida segue num tempo não muito pretérito e eu desci. A lembrança que ficou foi a de um único beijo, delicadamente sincero que a outra face tocou.

No dia seguinte liguei a televisão para assistir o meu programa sensacionalista favorito. Dois assassinatos, três estupros, uma prisão por porte de drogas e dois acidentes: um jovem de moto se acidentou no cruzamento da BR 153 e um ônibus caiu da ponte.

Um silêncio de dor de consumiu e a maior tragédia estava por vir: o recomeço. Se fosse morte seria mais fácil, pois o fim não tem recomeço.

Minhas sandálias com pedacinhos da grama do último pôr do sol me esperavam para mais um dia. Desliguei a televisão e fui pegar o ônibus.

O 263 ainda não tinha passado, mas esse eu não quero mais. Depois do acidente ele ficou muito desconfortável... Por mais que eu deseje novamente passar pelos buracos e sentir os solavancos, eu já sei que este ônibus não pára no penúltimo ponto.

Mariane Dalcin
Enviado por Mariane Dalcin em 04/01/2007
Reeditado em 14/10/2008
Código do texto: T335893