O verdadeiro valor da escrita…(revisto)

Escrevo desde que quase me conheço, penso que já escrevi sobre quase tudo que há para escrever, e sou um afortunado porque sempre tive leitores e leitoras que apreciam aquilo que escrevo…

No entanto só há alguns anos é que comecei a dar um real valor a essas pessoas…

Mais do que ouvir, comecei a sentir essas pessoas e ir ao seu encontro na medida do possível…

Dei comigo a perceber que o valor da escrita não está naquilo que escrevemos, mas na forma como tocamos quem nos lê…

Um amigo meu que também escreve, mas que não publica, fez-me uma crítica que não entendi…no imediato…

Achava engraçada a minha escrita, mas o seu maior defeito era o ser uma narrativa fechada, quer em poesias, quer em contos…

Não percebi o que ele quis dizer…até que um dia de repente tudo bateu certo e eu entendi que a escrita deve ter um campo onde o leitor ou a leitora continue essa escrita, e assim o seu final nunca deverá ser completamente fechado, quem lê deve ter a possibilidade de completar o que lê…

Tal implica uma agilidade que ainda não tenho apesar de me esforçar, mas desde essa altura que tento que o que escrevo tenha sempre uma continuação que a imaginação de quem lê se quiser deve completar ou complementar consoante os seus gostos…Claro que um poema, um conto etc…que faço tem uma lógia bem própria, uma mensagem, porque o que escrevo tem sempre uma mensagem, mas não deve ser hermética, deve possibilitar o seu complemento se quem lê tal assim o entender…

Quem escreve e publica, e dá a ler essa escrita, e não a mantém escondida numa gaveta ou na secretária de um computador, essa pessoa naturalmente gosta do que escreve, é natural, chega a ser belo, mas isso possui pouco valor, porque todos os pais costumam gostar dos seus filhos e filhas…

No que toca à escrita e na minha opinião, a opinião amadurecida de quem anda nisto há uns tempinhos, o valor da escrita está na forma como tocamos as pessoas, como nos é devolvido o eco dessa escrita…

Se um texto, poema, pensamento que consideramos menor ou menos conseguido tocou alguém de uma forma especial, esse escrito passa pois a ser grande, enorme…

Se essa escrita devolveu um sorriso a alguém, fez nascer do nada um sorriso, ou simplesmente suscitou um pensamento digno, positivo, essa escrita é detentora de todo o valor do mundo…

A escrita é uma forma de comunicar com as pessoas, é mais um meio de comunicação, pelo menos é assim que eu a vejo, e se essas pessoas se mostram satisfeitas com tal, a comunicação foi alcançada e mesmo superada…

Claro que a escrita deve ter uma parte nossa, deve ter a nossa personalidade, mas a escrita deve ser pensada para ser lida por outra pessoa, muitas vezes pessoas desconhecidas…e como disse numas linhas mais acima, devemos possibilitar a que o leitor complemente o que lê…se achar que falta algo…para essas palavras passarem a serem também suas se achar que falta algo…

E assim apesar de ter um toque bem meu na minha escrita, tento ter uma linguagem aberta e não fechada, uma linguagem que traduza da melhor forma ideias por vezes complicadas que se tornam acessíveis com algum trabalho de depuração…

E quando tal agrada às pessoas…a escrita para mim atingiu, alcançou o seu objectivo maior e passou a ser uma escrita que vale realmente a pena…porque nasceu assim aquilo que sinto ser a simbiose perfeita entre o autor e o leitor…uma espécie de fusão que torna de facto a escrita um objecto quase insuperável em termos comunicacionais…melhor do que tal só mesmo estarmos a falar com alguém e essa pessoa nos completar a última frase que acabámos de dizer…

Já tive esse eco tantas vezes que me considero um autor realizado…

Na escrita eu faço ou procuro fazer o que procuro nas leituras que tenho…: sentir, sonhar, viajar mentalmente, ausentar-me nem que seja por horas para depois voltar porque essa escrita me possibilitou essa viagem, me enriqueceu, me fez uma pessoa maior e mais completa…

E tento humildemente dar isso como autor…

Caminho imenso e inacabado que é sempre passível de ser melhorado…

Mas um destes dias aconteceu algo de particularmente belo e recompensador…:

Uma amiga muito pessoal com a qual retomei o contacto há pouco tempo depois de anos de ausência telefonou-me a agradecer algo…

Quando retomámos o contacto por mero acaso mandei-lhe um texto entre os imensos textos que tenho…

Tive um pressentimento e mandei-lhe esse texto, embora pudesse ter mandado outros…

E ela telefonou-me a dizer, a agradecer esse texto, porque por motivos que ficam entre nós, esse texto a tocou imenso, a ajudou…

Escrevo desde muito cedo, já tive belos momentos com a escrita, mas este telefonema passou a ser um desses momentos belos…

Saber que alguém ficou feliz, encantada(o) por algo que escrevi…

Podem chover prémios, pode chover o reconhecimento intelectual ou popular, mas um telefonema como o da minha amiga para mim é o maior dos prémios…

Porque a escrita deixou de ser minha, passou a ser de quem a lê também, quando essa pessoa lê as minhas palavras e as sente como suas, ou simplesmente algo de mau passou a ser menos mau ou mesmo belo depois de ter lido as minhas palavras…

Porque de facto as palavras só as são depois de partilhadas, depois de apreciadas, ou mesmo amadas por outra pessoa que não nós…

As palavras não são nossas, não são de ninguém em particular, nós limitamo-nos a usar essas palavras, e assim se elas são sentidas e amadas, essas palavras passam a serem de facto de todos e não somente de quem as utiliza…porque muitas vezes somos uns privilegiados pela simples razão de podermos dizer algo que outras pessoas não conseguem, e que através de nós o conseguiram de facto…

Porque assim se dá a tal fusão , a tal osmose que muitos dizem ser quase impossível entre o autor e o leitor…

Esse é pois o verdadeiro valor da escrita…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 27/11/2011
Código do texto: T3359246
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