Tesouros acumulados

Ontem a lua estava cheia. E que bela noite de lua cheia!

Apesar de me encantar com estas noites, uma grande nostalgia me toma o coração.

A lua cheia brinca com a minha saudade, e faz sair do peito

as lembranças dos mais belos anos da minha infancia: Os sonhos, os amores, e aquela criatura eternamente jovem, que

me induzia a suspirar e a quere-la alem da conta. Entrou

na minha vida como uma ameaça, e se foi sem pedir perdão!

Não mais a ví, nem esquecí! A gente nunca esquece o primeiro amor: Ele é o ultimo a morrer!

Estou eu na minha cidadezinha de interior:

Do quintal da minha casa que da vistas para o rio doce, vejo esta mesma lua imensa, saindo por detráz de uma ilha,

encravada no meio do belo rio, pleno de agua, ja que naquele tempo a natureza não sofrera tanta violencia.

Como era belo o rio, como era imensa a lua, como era magnífica a lua surgindo das aguas, por traz da ilha misteriosa!

O fato de eu ser um garoto, e pequeno na estatura, tornavam

o rio, a ilha e a lua, maiores ainda. E ela surgia soberana

e os meus olhos se rejubilavam ao vê-la, belíssima, emprestando às aguas um colorido de ouro!

Naquelas noites de lua cheia, e quando era verão, Tia Ritinha vinha nos contar historias.

Nós sentavamos a seus pés, ou deitavamos no seu colo, e

ouvíamos aquelas belas historias que ela sabia contar (Só

ela sabia contar aquelas historias maravilhosas).

A sua doçura, a mansidão da sua fala, e apesar de uma voz bem baixinha, pois ja estava em idade avançada, e mesmo assim ninguem bocejava. Dormir nem pensar!

Ríamos às vezes quando era engraçado, e ficavamos tristes quando era um drama. Aquelas eram as historias dos seres humanos, da sua vida, e toda vida tem o seu lado de alegrias e tristezas: São irmãs inseparaveis!

Minha mãe, quase sempre naquelas noites nos trazia balas que ela mesmo fazia. Tinha uma "fabriquinha" caseira e utilizava fôrmas de chumbo, açucar, anilina e uma caçarola

de bico, e o talento para encontrar o ponto certo para as balas ficarem bem clarinhas, ou então nos trazia cocada branca, pé de moleque, pirulito ou lingua de sogra. E até rabana com pó de canela em cima, que era uma festa!

Até Tia Ritinha comia a rabanada. Mamãe caprichava na canela, e era bom para tia Ritinha comer o pó da canela por ser quente, ja que ela sofria de bronquite.

Raramente comia doce, às vezes uma cocadinha, mas o que ela

gostava mesmo era da rabanada da minha mãe, que ela chamava docemente de "comadre".

Como eram belos aqueles tempos! A cidade era uma grande familia. A casa do vizinho era nossa casa. Todos se importavam com todos.

Naqueles tempos eu tinha muitos pais e muitas mães, muitos irmãos e irmãs, a lua cheia saindo de dentro do rio doce, as historias da tia Ritinha, e as rabanadas da minha mãe.

Ontem, a lua cheia trouxe uma saudade muito grande dos tempos idos, e uma nostalgia tão grande tomou conta de mim.

Seria pelas coisas que julgo não ter, ou por tantos tesouros acumulados?

"Aos contadores de Historias"